quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Mal acostumado...

Não costumo ouvir músicas que não sejam gospel. Nada contra a música em geral, pelo contrário, amo a profundidade e a poesia que algumas letras e algumas melodias alcançam e trazem à nossa alma. Só não tenho mais o costume de escutá-las (mas isso é assunto para um outro post).


Enfim, o ponto é que hoje eu me lembrei de uma música que nem sei direito como é e nem imagino quem é que canta, quanto mais quem foi o compositor, mas o fato é que a música em seu refrão diz assim: "mal acostumado, você me deixou mal acostumado com o seu amor...". Confesso que é só isso que eu sei dela, mas para o que tenho para hoje é o suficiente.


No domingo, falou-se na igreja pela busca da presença de Deus e o pregador falou de três pessoas mencionadas na Bíblia. Uma delas (a pessoa que me chamou mais a atenção) chamava-se Uzá. Esse rapaz (pelo que eu entendi ele morreu cedo, com cerca de vinte anos ou menos) nasceu em uma casa que abrigava a Arca da Aliança. Essa Arca, na Bíblia, simboliza a presença de Deus. 


Imagine alguém então que desde que nasceu possui algo à sua disposição. Talvez, tenha tido os seus pais sempre ali por perto, talvez tenha sempre gozado de saúde perfeita, nunca tenha passado por restrições financeiras e nem teve que lutar muito pelas coisas básicas da vida. Não é difícil, não é mesmo? Acho que muitos de nós conhecemos pessoas assim, ou ainda, somos pessoas desse tipo. Eu mesma sou.


Pois é, quando eu era criança a minha mãe (que sempre trabalhou em escritórios e foi uma mulher considerada bem-sucedida no mundo profissional) tinha condições de me dar muitas coisas e para mim isso era o padrão e não a exceção. 


Como Deus foi muito bom comigo, Ele colocou ao meu lado uma mulher Dele que vivia em uma favela (naquela época era assim que chamávamos as comunidades carentes) que tem filhos pouca coisa mais velhos do que eu e, por causa disso, volta e meia eu ia à casa dela. Quando isso acontecia, eu via um mundo totalmente diferente do meu: jovens se esforçando para ir trabalhar desde muito cedo, pessoas que cresciam sem muito estudo (ou com estudo obtido através de muito esforço), mesas com pouca variedade de comida, poucas roupas à disposição, enfim, uma vida financeiramente restrita. Curiosamente, assim eu entendia que aquele meu mundo não era o mundo de todas as pessoas.


Por outro lado, eu estudava em uma escola em que tinham vários filhos de pessoas realmente ricas estudando e alguns dos meus amigos tinham em seu "curriculum" até ali algumas viagens à Disney, carros (no plural) em casa (em uma época em que não existia essa coisa de "carro do rodízio" até porque não existia rodízio), apartamentos grandes o suficiente para que um visitante se perdesse facilmente ali. Naturalmente, assim eu entendia que aquele meu mundo não era o mundo de todas as pessoas. 


O mais bizarro era quando eu via meus amigos de escola reclamando de coisas que pouquíssimas pessoas no mundo tinham (e eles sempre tiveram e já estavam entediados porque era muito comum para eles) e não conseguia explicar a eles o quão privilegiados eles eram. Afinal, por que eles se sentiriam assim se a única vida que eles conheciam era aquela e as pessoas que eles conheciam eram aquelas que viviam como eles?


Além do mais, muitos davam valor à coisas que eu não entendia: eles achavam muito feio ter um carro simples ou uma roupa cuja etiqueta não inflacionasse o valor dela em muitos porcento, ou ainda não de contentavam de ir à sua casa de praia aos finais de semana sendo que muitas pessoas nem casa tem (nem aqui, muito menos na praia) e algumas inclusive nunca viram o mar. Eu, claro, sempre gostei de pequenos luxos, mas não sei dizer se algum dia eu achei que ter um carro mais caro fazia alguém ser mais importante do que outro... Enquanto eu sentia falta de um irmão por me achar completamente solitária, eles reclamavam que tinham irmãos e tinham que dividir as coisas com eles (no fundo, não dividiam nada porque suas famílias tinham dinheiro para comprar tudo em abundância para todos os filhos).


Bom, e o que isso tem a ver com Uzá? Na minha visão, ele cresceu em uma casa em que era abrigada a presença de Deus, portanto, para ele a vida simplesmente ERA assim. Ele nasceu ao lado da presença  de Deus, cresceu ao lado Dela e acredito que nunca imaginou que Ela poderia simplesmente ir embora. E mais, provavelmente ele nem imaginava o quanto certas pessoas (como o rei Davi, por exemplo) fariam de tudo para tê-la ao lado. Para ele, era apenas mais uma peça da casa, mais um móvel ou peça de decoração, imagino eu. Ele teve ao seu lado aquilo que era mais precioso do que tudo na vida e nunca soube.


Um belo dia, o rei decide que quer tirar a Arca dali de onde estava e levar para um outro local que o rei entendia que era mais apropriado (e mais perto dele também, o que o agravada muito) e então montou-se uma comitiva para levá-la. Uzá, vendo que a Arca cairia do carro de bois, colocou a mão para tentar evitar a queda e morreu instantaneamente.


Porque ele colocou a mão eu creio que ele entendia que a Arca era importante mas, por estar mais preocupado com a queda dela e com o desempenho da comitiva do que com o louvou ao próprio Deus, colocou a mão tentando evitar uma "tragédia" maior. Só que, em seu ato, ele dizia (inconscientemente ou não) que a presença de Deus pode ser contida ou suportada por mãos humanas e esse foi o erro dele; por isso ele foi fulminado.


Quantas vezes temos a presença de Deus junto conosco mas não percebemos? Quantas vezes sabemos conscientemente que temos a presença do Senhor conosco, seja em um sorriso de uma criança na rua, seja na gentileza de um vizinho, seja na oração com um irmão da fé ou no abraço apertado em um familiar querido e mesmo assim não conseguimos ser gratos por Ele estar ali? Quantas vezes estamos mais preocupados com os pés do boi que está carregando a Arca (porque afinal, se ela cair, pode machucar o animal e, já pensou o prejuízo???) do que com desfrutar a presença do nosso Deus Altíssimo???


Será que esse tem sido o nosso cântico para Deus: "mal acostumado, você me deixou mal acostumado com o seu amor..."? Porque, na minha visão, é isso que cantamos a Ele quando não reconhecemos a Sua graça, o Seu amor e a Sua presença...


Senhor, tira as escamas dos meus olhos e permita-me ver a Tua presença. Limpa os meus ouvidos para que eu possa ouvir a Tua voz. Limpa as minhas mãos para que eu possa tocar-Te com elas. Libera os meus braços para que com eles eu possa abraçar-Te. Salva meu coração e renova os meus pensamentos Senhor porque, sozinha, só consigo me preocupar com o pé do boi se a Arca cair...

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