Eu odeio o dia das mães. Afinal de contas, pra que serve essa data quando a sua mãe já não está mais aqui?
Dia das mães é uma data comercial, e eu tenho certeza de que se eu procurasse no Google agorinha, eu encontraria o nome do abençoado que decidiu que era uma boa ideia dedicar um dia inteiro só para celebrar a maternidade.
Não que ser mãe seja ruim: apesar de todas as dificuldades, dores, complicações e medos que só uma mãe vive, a maternidade compensa, e muito! Como imaginar a vida de uma mãe sem seus filhos?
Claro que objetivamente, ser mãe é uma coisa que traz mais dores do que delícias em sua jornada. Como é que a mulher descobre que está grávida? Com enjoos, tontura, sintomas bizarros que de outra forma não experimentaria em sua vida. E a pobre mulher, quando faz xixi na janelinha daquele palito de plástico, ao invés de se dar conta de que os sintomas agora são só uma amostra grátis do que virá, fica feliz porque viu dois pauzinhos alguns minutos depois.
A maternidade estica a mulher em diversos sentidos: na pele, na alma, no coração, na angústia, na privação do sono, na vontade de fingir que não tem que responder ao gritinho de "mãe" que surge a cada dois minutos. Como dizem por aí, se mãe recebesse um centavo por cada vez que é chamada, todo o dinheiro do mundo seria delas.
Mães são os seres mais compreensivos e incompreendidos ao mesmo tempo. Mãe é um tão cheia de poderes que parece até onisciente.
Lembro-me de que, quando eu era criança, minha mãe já sabia que eu ia ficar doente: ela começava a se sentir mal antes mesmo que meus sintomas aparecessem. Coitado do meu pai que tinha que lidar com a mulher passando mal, e ainda ficar atento ao fato de que aquele era um prenúncio de que a filha ficaria doentinha.
Eu consigo me lembrar também de uma época passada, lá nos longinquos anos 90, quando não existia internet no Brasil, e o tal do identificador de chamadas ainda era coisa de rico. Nesse tempo, a gente tinha (quando dava) o tal do telefone fixo (alguém se lembra dele?). E quando o dito cujo tocava, sempre com o mesmo som, eu já sabia quando era a minha mãe ao telefone, e quando era outra pessoa. Mesmo que o telefone emitisse sempre o mesmo som estridente para avisar que alguém estava ali a chamar.
Aliás, por falar em mãe, muitas coisas vem à minha memória: o dia em que eu mesma fiz o tal do teste do xixi e deu positivo; o dia em que minha mãe chegou em casa com uma mesa de madeira maciça nova, coberta com quadrados de vidro, achando que era a coisa mais linda do mundo; o dia em que a minha mãe morreu. Já mencionei que eu odeio o dia das mães?
Como nem tudo é tristeza, me vem à memória o dia em que minha mãe me achou no meio do Ginásio di Ibirapuera lotado, durante uma conferência em que eu trabalhava como fotógrafa. Ela veio até mim e me pediu perdão: ela não tinha conseguido me ensinar a ser mãe. Ela tinha entendido que ela mesma não sabia bem como fazê-lo, e portanto, não conseguiu ser o modelo que eu precisava. Os efeitos? São sentidos até hoje. Mas... aquele pedido foi crucial, e daquele dia em diante, eu tive uma mãe a 100%.
Odeio o dia das mães desde aquele 2022 em que, como pedido de presente pela data, minha mãe orou a Deus e pediu para me ver uma última vez, antes que morresse. Os médicos, antes da fatídica cirurgia, juravam que ela estaria em casa no máximo em 20 dias. Eles quase acertaram: ela foi pra casa do Pai no 23º dia de internação. Não tem como esquecer do momento em que, tendo terminado o horário de visita do hospital, eu senti dentro de mim que aquela tinha sido a nossa despedida. Até hoje, vez ou outra, eu olho o celular, procurando o número dela, pra fazer uma chamada telefônica só pra reclamar do preço do azeite, que subiu pra caramba.
Eu realmente odeio o dia das mães!
Que sentido tem esse dia? Que raios devo fazer com um dia em que eu deveria celebrar a minha mãe, mas não posso mandar mensagem pra ela?
Aliás, era ela quem sempre me mandava mensagem enquanto eu dormia, pra que quando eu acordasse, eu visse o quanto ela sentia orgulho de mim, por ser sua filha...
Dois anos se passaram, e eu ainda não me acostumei. Será que um dia isso passa?
Estranho ainda sofrer por isso: já passei dos quarenta, sou mãe e avó, e mesmo assim, ainda acho uma sacanagem ela não estar aqui pra poder desejar a ela um bom dia, ou ainda agradecer por tudo o que ela fez. Será que dei a ela flores e presentes suficientes enquanto ela estava viva? Provavelmente não..
Você não sabe o quanto eu daria pra poder agora mandar aquele dinheirinho pra ela, e em retribuição, receber uma fotinho da sandalia nova que ela comprou, porque a anterior, você sabe, já estava "em petição de miséria". Ou ainda, o quanto eu pagaria pra poder trocar receitas de coisas triviais, e fotinhos de coisas que aprendi (ou não aprendi) a cozinhar nos últimos dias.
Sei lá se isso melhora... só sei que, por agora, eu odeio o dia das mães.
E aí, quando eu repito isso, me sinto culpada. Me vem à memória a minha própria filha: uma mulher linda, cheia de talentos, que nem sempre consegue ver o quanto ela é importante ou preciosa. Passa um filme na minha cabeça, e eu me lembro do dia em que ela nasceu, as horas em trabalho de parto, o quando era gostoso amamentar, o quanto foi incrível vê-a começar a primeira série na escola.. tantas coisas pelas quais passamos, boas e ruins, e a memória mais forte que tenho é da sua mãozinha, pequena, agarrada na minha, para conseguir dormir.
E de repente, o dia das mães não é tão ruim assim.
Tento então esquecer-me daquele dia das mães em minha filha, com quatorze anos, foi morar com o pai. Depois do tradicional almoço para celebrar a data, a movimentação de malas, o encher do carro, e o trajeto curto mais longo da minha história: ela não moraria mais comigo dali em diante. É, realmente o dia das mães não presta!
Faço então uma pausa para enxugar as lágrimas, e de repente, vejo uma notificação no celular: minha filha a compartilhar algo da vida dela. Já adulta, enfrentando as suas próprias batalhas, ela ainda me responde, e ao nosso modo, temos uma relação bastante próxima. E isso derrete o meu coração.
Fico pensando o que fazer para lidar com essa data que, subitamente, se tornou uma das mais indigestas do calendário. Tento uma novidade, como uma aula de cerâmica? Abraço a angústia e passo o dia a assistir filmes que nos fazem chorar? Finjo que nada aconteceu e ligo alegremente para minha sogra e minha tia, como se nada doesse?
Talvez o problema não esteja no dia das mães. Talvez o problema esteja mesmo em mim: eu ainda não sei lidar com a magnitude desse tempo. Ser mãe sem mãe é difícil demais. Mas não impossível.
Se ela estivesse por aqui, provavelmente teria sido a primeira a comprar e ler os meus livros, mesmo que ela tivesse dificuldade de colocar crédito no celular, pagar coisas no aplicativo do banco, ou mesmo enxergar letras menores. Não deu tempo de comprar o kindle pra ela.. teria sido muito legal receber os seus comentários e, quem sabe, um prefácio seu em um dos meus livros. Com certeza, no dia do lançamento, ela seria a primeira a mandar parabéns, e a ficar acompanhando a página de vendas a cada dois minutos. Isso sem falar que ela mandaria para todos os seus conhecidos a página de venda, e perturbaria a cada um deles, até receber os recibos de que a compra tinha sido efetuada. Ela foi, em seu tempo, a minha maior fã.
Pensando nisso, eu até que gosto do dia das mães...
Ver o privilégio que tive de ter como mãe a mulher que me gerou duas vezes: fisicamente e na fé, através de suas orações e atitudes ousadas. Pensar que ela estaria aqui, torcendo por mim, e vendo em mim um potencial que eu não faço ideia de como ela via. Imaginar as mãozinhas agitando-se no ar e o gritinho propositalmente estridente, para comemorar uma coisa que foi difícil demais.
O dia das mães é incrível! Pena que agora comemoramos a data só dentro de mim.
Mas, entendendo que Deus é soberano e que ela viveu o quanto precisava e deveria viver, olho para esse próximo dia 5, e as lágrimas se misturam com um sorriso maroto. Ela não ia gostar de me ver chorar. Não porque ela achasse que fazia sentido mentir, mas porque ela faria de tudo para me ver sorrir.
E embora o dia das mães seja dia de celebrar (para mim) a ausência, é dia de agradecer. Sou privilegiada, e sei que fui muito desejada e amada. O que mais eu poderia querer?
Feliz dia das mães, onde quer que você esteja!