sexta-feira, 3 de maio de 2024

Eu odeio o dia das mães

 Eu odeio o dia das mães. Afinal de contas, pra que serve essa data quando a sua mãe já não está mais aqui?

Dia das mães é uma data comercial, e eu tenho certeza de que se eu procurasse no Google agorinha, eu encontraria o nome do abençoado que decidiu que era uma boa ideia dedicar um dia inteiro só para celebrar a maternidade.

Não que ser mãe seja ruim: apesar de todas as dificuldades, dores, complicações e medos que só uma mãe vive, a maternidade compensa, e muito! Como imaginar a vida de uma mãe sem seus filhos?

Claro que objetivamente, ser mãe é uma coisa que traz mais dores do que delícias em sua jornada. Como é que a mulher descobre que está grávida? Com enjoos, tontura, sintomas bizarros que de outra forma não experimentaria em sua vida. E a pobre mulher, quando faz xixi na janelinha daquele palito de plástico, ao invés de se dar conta de que os sintomas agora são só uma amostra grátis do que virá, fica feliz porque viu dois pauzinhos alguns minutos depois.

A maternidade estica a mulher em diversos sentidos: na pele, na alma, no coração, na angústia, na privação do sono, na vontade de fingir que não tem que responder ao gritinho de "mãe" que surge a cada dois minutos. Como dizem por aí, se mãe recebesse um centavo por cada vez que é chamada, todo o dinheiro do mundo seria delas. 

Mães são os seres mais compreensivos e incompreendidos ao mesmo tempo. Mãe é um tão cheia de poderes que parece até onisciente.

Lembro-me de que, quando eu era criança, minha mãe já sabia que eu ia ficar doente: ela começava a se sentir mal antes mesmo que meus sintomas aparecessem. Coitado do meu pai que tinha que lidar com a mulher passando mal, e ainda ficar atento ao fato de que aquele era um prenúncio de que a filha ficaria doentinha.

Eu consigo me lembrar também de uma época passada, lá nos longinquos anos 90, quando não existia internet no Brasil, e o tal do identificador de chamadas ainda era coisa de rico. Nesse tempo, a gente tinha (quando dava) o tal do telefone fixo (alguém se lembra dele?). E quando o dito cujo tocava, sempre com o mesmo som, eu já sabia quando era a minha mãe ao telefone, e quando era outra pessoa. Mesmo que o telefone emitisse sempre o mesmo som estridente para avisar que alguém estava ali a chamar.

Aliás, por falar em mãe, muitas coisas vem à minha memória: o dia em que eu mesma fiz o tal do teste do xixi e deu positivo; o dia em que minha mãe chegou em casa com uma mesa de madeira maciça nova, coberta com quadrados de vidro, achando que era a coisa mais linda do mundo; o dia em que a minha mãe morreu. Já mencionei que eu odeio o dia das mães?

Como nem tudo é tristeza, me vem à memória o dia em que minha mãe me achou no meio do Ginásio di Ibirapuera lotado, durante uma conferência em que eu trabalhava como fotógrafa. Ela veio até mim e me pediu perdão: ela não tinha conseguido me ensinar a ser mãe. Ela tinha entendido que ela mesma não sabia bem como fazê-lo, e portanto, não conseguiu ser o modelo que eu precisava. Os efeitos? São sentidos até hoje. Mas... aquele pedido foi crucial, e daquele dia em diante, eu tive uma mãe a 100%.

Odeio o dia das mães desde aquele 2022 em que, como pedido de presente pela data, minha mãe orou a Deus e pediu para me ver uma última vez, antes que morresse. Os médicos, antes da fatídica cirurgia, juravam que ela estaria em casa no máximo em 20 dias. Eles quase acertaram: ela foi pra casa do Pai no 23º dia de internação. Não tem como esquecer do momento em que, tendo terminado o horário de visita do hospital, eu senti dentro de mim que aquela tinha sido a nossa despedida. Até hoje, vez ou outra, eu olho o celular, procurando o número dela, pra fazer uma chamada telefônica só pra reclamar do preço do azeite, que subiu pra caramba.

Eu realmente odeio o dia das mães!

Que sentido tem esse dia? Que raios devo fazer com um dia em que eu deveria celebrar a minha mãe, mas não posso mandar mensagem pra ela?

Aliás, era ela quem sempre me mandava mensagem enquanto eu dormia, pra que quando eu acordasse, eu visse o quanto ela sentia orgulho de mim, por ser sua filha...

Dois anos se passaram, e eu ainda não me acostumei. Será que um dia isso passa?

Estranho ainda sofrer por isso: já passei dos quarenta, sou mãe e avó, e mesmo assim, ainda acho uma sacanagem ela não estar aqui pra poder desejar a ela um bom dia, ou ainda agradecer por tudo o que ela fez. Será que dei a ela flores e presentes suficientes enquanto ela estava viva? Provavelmente não..

Você não sabe o quanto eu daria pra poder agora mandar aquele dinheirinho pra ela, e em retribuição, receber uma fotinho da sandalia nova que ela comprou, porque a anterior, você sabe, já estava "em petição de miséria". Ou ainda, o quanto eu pagaria pra poder trocar receitas de coisas triviais, e fotinhos de coisas que aprendi (ou não aprendi) a cozinhar nos últimos dias.

Sei lá se isso melhora... só sei que, por agora, eu odeio o dia das mães.

E aí, quando eu repito isso, me sinto culpada. Me vem à memória a minha própria filha: uma mulher linda, cheia de talentos, que nem sempre consegue ver o quanto ela é importante ou preciosa. Passa um filme na minha cabeça, e eu me lembro do dia em que ela nasceu, as horas em trabalho de parto, o quando era gostoso amamentar, o quanto foi incrível vê-a começar a primeira série na escola.. tantas coisas pelas quais passamos, boas e ruins, e a memória mais forte que tenho é da sua mãozinha, pequena, agarrada na minha, para conseguir dormir.

E de repente, o dia das mães não é tão ruim assim.

Tento então esquecer-me daquele dia das mães em minha filha, com quatorze anos, foi morar com o pai. Depois do tradicional almoço para celebrar a data, a movimentação de malas, o encher do carro, e o trajeto curto mais longo da minha história: ela não moraria mais comigo dali em diante. É, realmente o dia das mães não presta!

Faço então uma pausa para enxugar as lágrimas, e de repente, vejo uma notificação no celular: minha filha a compartilhar algo da vida dela. Já adulta, enfrentando as suas próprias batalhas, ela ainda me responde, e ao nosso modo, temos uma relação bastante próxima. E isso derrete o meu coração.

Fico pensando o que fazer para lidar com essa data que, subitamente, se tornou uma das mais indigestas do calendário. Tento uma novidade, como uma aula de cerâmica? Abraço a angústia e passo o dia a assistir filmes que nos fazem chorar? Finjo que nada aconteceu e ligo alegremente para minha sogra e minha tia, como se nada doesse?

Talvez o problema não esteja no dia das mães. Talvez o problema esteja mesmo em mim: eu ainda não sei lidar com a magnitude desse tempo. Ser mãe sem mãe é difícil demais. Mas não impossível.

Se ela estivesse por aqui, provavelmente teria sido a primeira a comprar e ler os meus livros, mesmo que ela tivesse dificuldade de colocar crédito no celular, pagar coisas no aplicativo do banco, ou mesmo enxergar letras menores. Não deu tempo de comprar o kindle pra ela.. teria sido muito legal receber os seus comentários e, quem sabe, um prefácio seu em um dos meus livros. Com certeza, no dia do lançamento, ela seria a primeira a mandar parabéns, e a ficar acompanhando a página de vendas a cada dois minutos. Isso sem falar que ela mandaria para todos os seus conhecidos a página de venda, e perturbaria a cada um deles, até receber os recibos de que a compra tinha sido efetuada. Ela foi, em seu tempo, a minha maior fã.

Pensando nisso, eu até que gosto do dia das mães...

Ver o privilégio que tive de ter como mãe a mulher que me gerou duas vezes: fisicamente e na fé, através de suas orações e atitudes ousadas. Pensar que ela estaria aqui, torcendo por mim, e vendo em mim um potencial que eu não faço ideia de como ela via. Imaginar as mãozinhas agitando-se no ar e o gritinho propositalmente estridente, para comemorar uma coisa que foi difícil demais.

O dia das mães é incrível! Pena que agora comemoramos a data só dentro de mim.

Mas, entendendo que Deus é soberano e que ela viveu o quanto precisava e deveria viver, olho para esse próximo dia 5, e as lágrimas se misturam com um sorriso maroto. Ela não ia gostar de me ver chorar. Não porque ela achasse que fazia sentido mentir, mas porque ela faria de tudo para me ver sorrir.

E embora o dia das mães seja dia de celebrar (para mim) a ausência, é dia de agradecer. Sou privilegiada, e sei que fui muito desejada e amada. O que mais eu poderia querer?

Feliz dia das mães, onde quer que você esteja!

quarta-feira, 23 de março de 2022

Cotonete é vida


Se tem uma coisa que não pode faltar na minha casa é cotonetes. Isso mesmo: palitos de plástico que contém bolinhas de algodão na ponta, com o objetivo de limpar (ou tentar pelo menos) os ouvidos, livrando-os da cera que se acumula, e claro, de eventuais coceiras que surgem.
Parece uma coisa fútil, já que se fosse perguntado à muitas pessoas, provavelmente quase nenhuma diria que cotonete é artigo de primeira necessidade. Nesta lista, ao invés disso, seriam vistos itens como papel higiênico, café, álcool, sabonete, arroz e até pãozinho, dependendo do hábito alimentar da pessoa. Mas pra mim, a utilidade do cotonete ultrapassa a de todos os outros itens (que indiscutivelmente são muito importantes, mesmo pra mim). O cotonete é pra mim, mais do que uma medida de higiene e conforto, um símbolo de segurança, estabilidade e um mínimo de dignidade.
Mas como ele se tornou assim tão importante?
Eu nasci em um contexto onde tive as minhas necessidades básicas atendidas, e na verdade, até as menos básicas também não faltavam. Não me lembro de ter que passar fome mais do que o tempo de chegar em casa, ou no próximo restaurante ou padaria para que o buraco no estômago fosse preenchido. E assim foi até alguns anos atrás.
Claro que já tive momentos de mais fartura, e de mais aperto até ali. Por exemplo, quando minha mãe tomou uma decisão ruim nós negócios e faliu, e recebemos uma ordem de despejo da casa em que morávamos quando eu tinha dezessete anos. Anos depois, quando minha filha nasceu e eu morava na sala da minha sogra, com o salário de um estágio, e com um marido desempregado, ambos universitários bolsistas em um contexto de moedas contadas no bolso... Mais tarde ainda, quando minha filha tinha quatro anos de idade, e eu, ela e o pai dela (novamente sem trabalhar) morávamos na casa do meu pai e estávamos todos desempregados... E em outros momentos em que vimos mais de perto a situação complicar-se, sentimos um pouquinho do que realmente é ter dificuldade de manter a estrutura básica para se viver.
Porém, quando me tornei estrangeira no meu país, me transferindo para a Itália, tudo mudou. Isso porque, chegando lá com a sensação de que o mundo era meu, tinha a convicção de que em alguns meses eu já teria um bom emprego, e seguiria a vida como se nada tivesse mudado em termos financeiros. Só que isso funciona bem nos sonhos. Já na vida real de um imigrante...
Nos primeiros três meses, eu não pude trabalhar por questões burocráticas, que ainda não me permitiam ter todos os documentos necessários para ter um contrato de trabalho, e eu contava com isso. O que eu não contava é que esses três meses se tornassem quase um ano, e meu bolso se esvaziou. Por isso, precisei encarar o trabalho que apareceu, que me ajudou e me atrapalhou bastante.
Dizem que a necessidade é mãe de muitos filhos, e eu concordo. Um deles é desespero, e o outro é ansiedade. Mas definitivamente bom senso e autoconfiança não fazem parte desta lista. E por isso, aceitei condições de trabalho e de salário que eu jamais aceitaria, e não recomendaria a ninguém. E isso me manteve no limite do limite por muitos meses.
Enquanto eu tinha casa, e comida, tudo parecia ainda ter um certo equilibrio e previsibilidade. Mas quando cheguei ao primeiro momento em que fiquei tão sem dinheiro que a única moeda que eu tinha em mãos servia ou pra comprar um pacote de macarrão para uma semana de refeições, ou um pacote de cotonetes, eu me vi em crise profunda. Meus ouvidos coçavam, e eu não sabia mais como poderia higienizá-los, mas não sabia bem como viver uma semana a base de luz.
Claro que pra chegar a contar essa história hoje eu tive que fazer uma escolha difícil, e portanto comprei o macarrão e sobrevivi. Os meus ouvidos coçavam e a cada dia mais me incomodavam mais, até que chegou o próximo salário e eu comprei aquela caixinha mágica que me traria paz aos pensamentos.
Quando tive que escolher entre o cotonete e o macarrão, eu percebi o quanto eu tinha sido abençoada até ali, e o quanto eu tinha chegado fundo em termos financeiros. Na verdade, aquilo era a demonstração do quanto eu tinha me deixado entrar em uma situação de solidão e autonomia, lidando somente com meus próprios recursos, sem poder contar com família, amigos e empréstimos temporários.
Aquela escolha foi uma escola para mim: me ensinou que eu contava com muito mais do que eu precisava para viver; e vi que até ali considerava como garantidas certas coisas que, na verdade, não são. Notei ainda quanto faz falta um parente por perto, ou alguém com quem contar. E sim, vi o quanto eu me deixei ser usada em termos profissionais em troca de uma paga subumana, sem dignidade e desleal em comparação ao que me era exigido.
Demorei para perdoar a quem me explorou, e mais ainda a me perdoar por me deixar explorar, e aprendi a tomar decisões diferentes na vida, entre elas ter sempre uma pequena reserva de dinheiro, nem que seja o suficiente para comprar cotonetes... E sim, os tenho sempre em casa, e levo em viagens sempre em quantidade abundante (nunca se sabe quando vai faltar uma farmácia pra comprar mais deles).
Vai-se a necessidade, fica o símbolo, que me acompanhará pelo resto da vida.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Cumprir o propósito sendo apenas quem eu sou

Eu amo histórias: romances, comédias, dramas, suspenses... Uma história bem contada tem o poder de mudar vidas. Jesus sabia disso: Ele sempre ensinava através de parábolas, não é mesmo?
Eu particularmente gosto muito de histórias. Mas sabe quais me encantam mais? Aquelas que sao relatos de coisas que realmente aconteceram, como documentários, filmes inspirados em histórias reais e making offs.
Desde criança, me lembro de querer em algum momento da vida, trabalhar no cinema. Curiosamente, naquela altura, eu não pensava em ser atriz, como a grande maioria das meninas... Eu queria participar da produção, e poder ver por trás das câmeras aquele montes de coisas fantásticas que vemos nas telonas.
Por isso, sempre que tenho oportunidade, escolho livros e filmes assim.
Recentemente, descobri uma série do Netflix justamente com making offs dos filmes da MK unha infância de Hollywood chamada "the movies that made us" (na tradução literal, os filmes que nos fizeram). E foi fantástico ver como as hoje histórias conhecidas como sucesso de bilheteria chegaram até esse patamar: em uma série de oito episódios, apenas um tinha um orçamento mediano para a época (os outros todos eram, surpreendentemente, de baixo orçamento). E claro, tiveram diversos percalços e desafios, que fizeram com que o filme quase não fosse feito. 
O último episódio porém me tocou de modo especial: nele conta-se a história de Forrest Gump. Isso mesmo: aquele filme do rapaz que cresce e faz coisas inacreditáveis, apesar das suas limitações psicológicas, que nunca foram um empecilho para ele, simplesmente por causa do amor e da fé de sua mãe.
Mas, por mais tocante que seja a história contada nas telonas, quando vi o quanto de comprometimento e persistencia foram necessários para produzir o filme, fiquei chocada: a história é cheia de grandes reviravoltas e o filme quase não foi feito por pelo menos duas vezes.
Depois porém de muitos percalços e quase uma década desde a ideia inicial de trazer o grande personagem para as telas, o filme foi feito, e tornou-se um dos mais lucrativos da história do cinema, e até hoje é assistido e reconhecido como um grande sucesso.
Linda história, não? Bom... Sim, pelo empenho, e porque é um exemplo de como acreditar em nossos ideais e sonhos pode ser poderoso. O filme, depois de pronto, rendeu muitos Oscar à produção, direção e a Tom Hanks, o ator principal. Isso mudou a vida deles certamente. Mas, ao meu ver, esse não foi o maior legado do filme.
Gary Senise, o Tenente Dan, era "somente" um coadjuvante, e apesar da grande atuação, nunca foi premiado pela academia por sua participação nesse blockbuster. À propósito, a atuação convincente de Gary faz com que realmente acreditemos e sintamos o que é ser um homem independente, líder, acostumado com o realizar, passar a depender de outras pessoas para praticamente tudo, além de lidar com os horrores da guerra.
Para uma pessoa normal, como eu e você, a não premiação do Gary com um Oscar poderia ser a maior frustração dessa história. Mas não.
Nessa série, Gary conta no final que um dia ele recebeu um convite: a associação de veteranos de guerra gostaria de convidá-lo para uma homenagem.mal sabia Gary que através daquele papel, ele tinha tocado a fundo milhares de soldados que, como o seu personagem, enfrentavam as mesmas dificuldades, mas muitas vezes sem compreensão até ali. Gary foi, recebeu a sua homenagem, mas sua vida mudou: ele entendeu que, mais do que um prêmio humano, ele ganhou a oportunidade de tocar milhares de vidas, dando esperança e força, sendo exatamente o que ele é: um ator de Hollywood.
Depois daquele dia, Gary se envolveu com a associação, e posteriormente, criou uma fundação com seu nome, somente para ajudar a criar um plano de restauração para aqueles homens reais retratados na tela grande pelo Tenente Dan. E assim, ele ganhou um novo propósito de vida.
Quantas vezes me questiono como posso ser aquilo que nasci para ser, e ao mesmo tempo, cumprir o meu propósito de vida? Quantas vezes isso me pareceu tão distante, tão impossível, tão improvável, a não ser que eu me tornasse alguém muito maior do que eu sou?
Gary me ensinou que basta apenas fazermos o que sabemos fazer, e fazermos da melhor forma. Deus, na Sua infinita sabedoria, se ocupa de fazer o resto.
Nunca podemos desprezar os desdobramentos das "pequenas" coisas feitas dentro do propósito de Deus, mesmo que pareçam tão sem sentido. Tenente Dan está aí para nos mostrar isso...

domingo, 9 de agosto de 2020

Quando alguma coisa acontecer com você...

Quando alguma coisa de bom acontecer com você, não espere que todo mundo entenda que isso é algo bom. Não espere que todo mundo se alegre com você e nem que todo mundo esteja contente de ver você indo adiante enquanto nem todo mundo está avançando.

Quando alguma coisa ruim acontecer com você, também não espere que todo mundo se preocupe com você, ou que todo mundo queira te ajudar. Não somos tão importantes como pensamos ou gostaríamos para todo mundo.

Por outro lado, quando algo de ruim acontecer com você, não espere que todo mundo te entende, ou que as pessoas consigam reconhecer que algo não é culpa sua, e talvez até a sua experiência assuste a outros, ou soe um exagero ou mesmo um delírio, e nem por isso você enlouqueceu ou deixou de ser vítima de algo que você passou.

Quando qualquer coisa acontecer, você pode e deve contar com a presença de Deus ao seu lado, com o grande Amor Dele, com a providência divina, e claro, com a segunda chance que nasce do arrependimento e do perdão, e em especial do auto-perdão.

Conte ainda com a sua própria ajuda para chorar quando for preciso, sem evitar os seus sentimentos. Conte também com o seu apoio para não se auto-sabotar na hora de se reerguer. Conte com a sua auto-critica quando você precisar de um empurrão para se levantar quando o chão parecer mais confortável do que a dor de tentar de novo e se levantar.

Conte com a sabedoria vinda do Alto sabendo que ela pode te doar o discernimento necessário para entender com quem compartilhar as suas experiências, a sua dor e as suas alegrias e vitórias. Se você achar que não tem ninguém, conte com os ouvidos do Pai. Se isso ainda não parecer suficiente, conte com a Graça Dele que sempre provê a companhia ideal para viver junto cada um dos momentos da vida.

Quando alguma coisa acontecer com você... Vá adiante, comece de novo, e de novo, e de novo... E se tiver dúvidas, vá ao começo deste texto outra vez. 

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Apagando a fumaça, alastrando o fogo

Nos últimos dias tenho ouvido falar desse tema: apagar a fumaça.
Falando assim parece bem absurdo não é mesmo? Afinal de contas, quem em sã consciência apagaria a fumaça? A expressão em sua origem já é um erro porque afinal de contas não é possível apagar a fumaça literalmente. Mas então o que isso quer dizer?
Existe aquele velho ditado que diz que onde há fumaça há fogo. E a fumaça é apenas um sintoma de que existe algo queimando por aí. Ou seja, de imediato sabemos que pela lógica, para se livrar da fumaça precisamos mesmo cuidar do fogo. 
Parece tão óbvio não? Mas na prática não é bem assim: quantas vezes você tomou um comprimido para se livrar de uma dor de cabeça sem realmente investigar a origem do seu mal? Ou seja, ali você estava tratando o sintoma, e portanto... Tentando "apagar" a fumaça.
As vezes de fato para enxergar bem onde está o fogo é necessário dissipar a fumaça, e para isso assoprá-la para longe por alguns segundos pode ser bem útil. Mas não se iluda: ela não vai desaparecer, e dependendo de como estiver o fogo, assoprar a fumaça fará com que o fogo na origem se alastre ainda mais e seu problema fique ainda maior e pior.
Portanto, embora muitas vezes a gente se dedique ao combate ao sintoma, racionalmente a gente sabe que aquela não é uma solução. Infelizmente inclusive em vários casos pode até piorar a condição original e causar mais outros males. 
Portanto, o que serve de fato é combater o fogo, seja jogando água, seja abafando a área para que o oxigênio cesse e com isso o processo de queima se interrompa, ou seja ainda pedindo ajuda (e tem horas que só mesmo uma daquelas tempestades gigantes que Deus manda é a solução).
Nas nossas vidas é fundamental buscar a sabedoria para que os nossos "narizes" funcionem bem e possamos identificar que tem fumaça logo no começo da queimada. Porque, se pensarmos só na fumaça, ela na verdade é uma grande benção porque ela é o sinal de alerta de que tem algo realmente errado. Uma pessoa que não sinta cheiros, diante de uma ameaça com fogo, se a fumaça não fosse aparente, poderia sofrer sérios danos ou até morrer simplesmente por causa de uma intoxicação ou de queimaduras que não seriam percebidas com antecedência.
Então o mais sábio seria realmente agradecer pela fumaça e aprender a lê-la ao invés de tentar "apagá-la" visto que se ela se fosse sem que o fogo terminasse tudo seria destruído.
De modo menos literal, quanto tempo você já gastou criticando a atitude de alguém? Quando uma atitude de outro te incomoda, isso quer dizer apenas que você tem algo dentro de você a resolver. Isso mesmo: se a atitude de outro te incomoda, o outro talvez tenha um problema, mas você certamente tem um. Então, ao invés de reclamar do outro, que tal refletir porque exatamente aquela atitude te incomoda? Que tal pensar em como usar aquilo que aconteceu para você buscar em Deus a cura para si, e com isso se transformar em um testemunho vivo daquilo que Deus pode fazer, e quem sabe até impactar a vida que de início serviu como fumaça para a sua atitude ruim?
Talvez não seja fácil, mas certamente é o mais eficaz a se fazer. Eu já gastei tempo demais tentando "apagar a fumaça". Hoje eu agradeço por ela, reconheço os seus benefícios e busco entendimento para saber usá-la a meu favor. Vem comigo? 

Limpando o terreno

Bom, não sei se cheguei à mencionar, mas dentro de menos de um mês estamos nos mudando para outro país. E sim, é um país de língua igual mas diferente. Mas isso é assunto pra outro texto...
O que preciso registrar hoje é o que é inevitável para mim: fazer um balanço do que foi esse tempo na França para a minha vida.
Saí da Itália passando por um mês de Irlanda, e ali já vi que muita coisa tinha sido deixada. Isso porque, saindo da Italia, entrei em uma situação de ser cuidada em cada detalhe pequeno que, não só fiquei constrangida pelo amor de Deus (e dos meus amigos que me adotaram nesse período) mas também por conta da maneira como eu pude ver na prática algumas coisas que desmistificaram conceitos romantizados demais que estavam dentro de mim. E foi ótimo, porque se não tivesse sido assim, eu acho que não teria dado conta do que veio à seguir.
Mas vamos com calma: falando assim parece que vivi um terror nos últimos meses... e a verdade é que não poderia ter sido melhor! Sim, passei por muitos momentos de confronto comigo mesma, de luta interior, de batalhas contra as circunstâncias, de guerra contra os limites e medos que me controlavam (acho que inclusive pela primeira vez na vida vi o quanto eu me tornei tímida nos últimos anos) e foi mesmo um período de me olhar no espelho, de me conhecer de um outro modo, de reavaliar o que me trouxe aqui, e o que vai continuar funcionando para a nova fase.
A mudança de agora é totalmente inesperada, e isso só me dá a sensação de Deus apressando etapas, concluindo fases, e nos levando à um outro nível em momentos em que nós jamais poderíamos imaginar, ou mesmo adiantar em termos de prazo.
Se eu vim para a França com o plano de ficar dez anos, e estou ficando por sete meses, posso dizer que algumas coisas aconteceram, e através delas vejo Deus remindo o tempo, e nos fazendo aproveitar as estações de modo completamente novo, e muito mais intenso mas ao mesmo tempo, mostrando que quem controla mesmo o impossível é Ele.
Dito isso, que obviamente é super genérico e aberto para quem não conhece os detalhes do que estamos vivendo aqui em casa, posso dizer que este tempo em solo francês me faz ter uma imagem na cabeça: limpeza do solo para mudar de plantação.
Você já viu alguém que tenha uma plantação de milho e que, de repente, decide plantar soja no mesmo lugar? Eu não tive a oportunidade de ver o processo todo, mas por algum motivo, pesquisei anteriormente sobre isso e acabei adotando a explicação pelo que ela é: para se mudar de plantio, a primeira coisa é simplesmente arrancar tudo o que está plantado, esteja maduro ou verde, passado ou ainda bom, para que, em seguida, a terra seja limpa, remexida, fique por um período se recuperando para, só depois, receber novo adubo e novas sementes.
Sem esse processo, nada de novo vai nascer ali. Sem esse procedimento, simplesmente o fazendeiro perde o plantio, porque as sementes serão lançadas mas a terra não estará pronta para suportar a nova plantação. Mas, esse processo, embora intenso, não é longo, e tem prazo definido. Para um leigo, pode parecer simples, ou rápido. Para um fazendeiro, pode parecer trabalhoso ou lento. Mas para a terra é o que é: necessário.
E assim, sigo como o solo que Jesus escolheu semear para este novo tempo. Assim como Ele quis fazer com a Sua Palavra, as Suas promessas e os Seus sonhos, então eu aceito, abraço e confio. E sim, mais do que isso: assumo as responsabilidades sobre o que é a minha parte, e deixo à cargo Dele aquilo que não me compete.
Sigo mais confiante, embora com muito menos certezas. Aliás, certeza é o que definitivamente não temos por aqui... mas parando para pensar nisso agora, a fé nasce de convicções e não de fatos visíveis já concretizados. A fé nasce de crer que mesmo sem todas as respostas, o que virá será ainda melhor, mais intenso, mais abundante e mais completo, simplesmente porque é Ele quem está na direção.
Então eu paro de tentar manter os últimos galhinhos de pé, e sem tentar também quebrar o que resta (nem uma e nem outra atitude seria benéfica), sigo respeitando o ritmo da dança proposta por Ele: se Ele apertar o passo, eu acompanho; se Ele der aquela paradinha, eu fico no lugar.
E assim, como terra sendo preparada para o novo plantio, deixo em vinte dias a França, agradecendo por tudo o que aprendi, por tudo o que vivi, por tudo o que deixo aqui, e por tudo o que virá à seguir.
E que venham as novas sementes!

Você tem um objetivo, ou ele tem você?

Quem manda na sua vida? Ou melhor, quem rege as suas prioridades: seus desejos, seus conceitos, seus medos ou seus objetivos? Ou é a opinião alheia quem decide o que vai ser feito, quando e como?
Eu tomo a liberdade de falar sobre liberdade porque Cristo veio para que fôssemos livres, e por isso Paulo inclusive recomenda que tenhamos atenção para não nos aprisionarmos novamente. Então, por isso me sinto à vontade para dizer que uma pessoa livre é uma pessoa que tem nas mãos as rédeas e as definições da sua própria vida.
Uma pessoa controladora é livre? Não, porque ela é escrava da necessidade de controlar as coisas. Mas uma pessoa livre estabelece as suas prioridades com base no seu propósito de vida, nos seus valores e nos seus objetivos. E nada mais.
Isso torna a pessoa egoista? Não necessariamente. Uma pessoa egoista agirá conforme seu caráter sendo guiada por si ou por qualquer outro que seja. Por exemplo: uma pessoa egoista, mesmo sendo guiada por outro para fazer um serviço voluntário, ela fará de tudo para que a coisa aconteça de acordo com o desejo e o conforto dela. E mesmo que o produto final beneficie outra pessoa, a motivação e a maneira como será estruturada a coisa em si será baseada não na necessidade de quem recebe o bem, mas de quem está respondendo à um comando alheio de modo egoista.
Dito isso (e acho que falo mais para mim do que para você estas coisas), eu chego cada dia mais à conclusão de que, ao deitar a minha cabeça no travesseiro, eu sou a única responsável por tudo aquilo que eu fiz. Ou seja, minhas reações ao que me ocorreu durante o dia são responsabilidade minha, mesmo que sejam respostas (justas ou desproporcionais) ao que as circunstâncias propuseram.
Não posso controlar o que o mundo tentará fazer comigo, mas posso sim decidir se eu ajo diante de algo, ou se eu reajo ao que me acontece.
Quando eu reajo, eu só devolvo para o outro ou para a circunstância aquilo que recebi, e normalmente em maior intensidade. Quando eu decido agir, a coisa muda de figura, porque eu tenho a oportunidade de oferecer quem sou, independente do que estão me entregando. Exemplo? Quando te fecham no trânsito, você xinga (mesmo que mentalmente) e se irrita ou você abençoa verdadeiramente a vida da pessoa que te fechou, pedindo a Deus que mostre a ela o quanto o comportamento dela a coloca em risco?
Quando eu decido ser intencional, eu decido ser livre, inclusive para me entregar nas mãos de alguém ou de algo, como um projeto maior do que eu. Mas isso só pode acontecer quando eu tenho nas minhas mãos a minha vida. Quando ela está nas mãos de outro, então não tem como eu me doar em 100% porque não tenho tudo isso em mãos.
Isso não significa que a nossa vida terá só um aspecto: continuamos a sermos seres relacionais em diversos níveis. A família ganha um tanto de prioridade e entrega, o trabalho um outro tanto, a diversão mais um pouco, o estudo... e assim por diante.
Por que eu não listei a vida espiritual? Porque considero que somos espírito, então o que vivemos aqui neste mundo é só expressão do que somos como espírito (ou da nossa omissão a quem realmente somos na essência), e isso permeia tudo.
E aí voltamos à pergunta original: você tem um projeto? Ou ele tem você?
Quando eu decidi vir para a Italia, esse ideal me tinha por inteiro. Eu organizei toda a minha vida em prol dessa mudança por mais de um ano, e ela aconteceu. A mesma coisa quando decidi vir para a França.
Mas, uma coisa em tudo isso eu aprendi: as mudanças de circunstância, de ambiente, de posição geográfica, elas não podem me afastar daquilo que é o meu propósito de vida. E mais: se a minha vida vai ser sempre caber em duas malas, então que eu aprenda cada dia mais a estabelecer coisas perenes que não estejam ligadas ao local, e ao mesmo tempo, que eu tenha sabedoria de extrair o melhor de cada dia, doando o meu melhor a cada dia para aquilo que é prioridade para mim, e que me aproxima do cumprimento do meu propósito de vida.
E não, isso não é óbvio. E não, isso não tem a ver de jeito nenhum com o que fazemos dentro de prédios em que são prestados cultos. E não, isso não é uma desculpa para deixar de frequentar cultos ou grupos para compartilhar o Evangelho. Isso só quer dizer que o propósito existe 24 horas por dia, 7 dias por semana, enquanto eu respirar, independente de onde eu for, e de como eu estiver. Portanto, o que é (ou não) feito em um local de culto é (ou deveria ser) só a continuidade natural do que sou e faço em todo o resto do tempo. Fora disso, o propósito é desculpa, e a hipocrisia reina.