quinta-feira, 5 de julho de 2012

A semente da mudança

Passei nessa semana por uma experiência marcante: fui a um funeral de um recém-nascido. De novo.


Da primeira vez em que isso aconteceu, a mãe era a irmã de um namorado e a gestação foi toda complicada e existiu durante todo o período uma tensão sobre como seria quando a criança nascesse e como seria o seu desenvolvimento. Era uma pessoa relativamente distante de mim no sentido de que tínhamos pouco contato. Lembro-me até hoje do presente que comprei para o bebê que, de acordo com a mãe, era o seu preferido. Um presente que o bebê não teve a oportunidade de usar.


Desta vez foi diferente: a mãe é uma queridíssima do fundo do meu coração e com ela já vivi muitas histórias. O nenê nasceu em um dia de semana fazendo com que ela furasse comigo em nosso almoço agendado. Estávamos de encontro marcado porque ela estava de sete meses de gestação e não esperávamos que ele viesse tão cedo. Mas veio. E mesmo pequeno, veio guerreiro, lutando por sua sobrevivência a cada dia na UTI do hospital em que teve que nascer às pressas.


Quando ele nasceu, veio pequeno e levinho ao mundo, mas veio perfeitinho. No dia em que ele nasceu  eu decidi ir ao hospital mas como o número de visitas era limitado e a irmã do pai estaria lá eu não pude ir e no dia seguinte já não tive mais condição; no dia posterior a mãe foi liberada e na verdade a criança nunca pôde receber visitas além dos próprios pais em horários alternados e bem definidos. A esperança era que ele saísse da UTI na metade deste mês já que ele iria ganhar peso suficiente para isso e passaria o aniversário de sua mãe em casa.


No domingo à noite eu, já em um horário avançado, vi uma ligação perdida dessa querida mas decidi não retornar porque já era tarde e eu achei que não seria adequado. Nem desconfiei que ela nunca me liga nesse horário e que portanto poderia ser algo urgente. Por sinal, ela nunca me liga... sempre nos falamos por mensagem de texto no celular ou e-mail.


Na segunda pela manhã estacionei o carro do lado do escritório e quando estava chegando no prédio eu vi duas mensagens dela pedindo que eu ligasse porque era urgente. Naquele momento, meu coração travou de apreensão com a certeza de que o bebê estava saindo do hospital. A dúvida era se estava indo para casa ou para o cemitério. Infelizmente, era a segunda opção.


Quando recebi a notícia, definitivamente não sabia o que fazer. Liguei para a minha mãe na esperança de que ela me dissesse algo útil para reproduzir quando encontrasse a mãe do bebê mas, como a minha mãe mesmo disse, é complicado achar algo para se dizer em um momento como esse... Liguei para o meu companheiro porque realmente me senti frágil porque nem imaginava o que fazer e ele se prontificou a ir comigo para lá. Liguei para a minha irmã e pedi oração e ela, entristecida junto comigo, orou e pediu que Deus me desse discernimento para fazer a diferença ali. E Ele me ajudou.


Fui ao banco, peguei dinheiro para uma eventual emergência ali, passei no mercado e enchi uma sacola de coisas para comer e beber porque eu sabia que pessoas que tem perdas assim tendem a não comer mas com o calor que estava e conhecendo a mãe do bebê, aquela seria uma hora importante para ela se alimentar, mesmo que minimamente. Mantive contato com a família dela em outra cidade porque sabia que eles não poderiam vir. E segui em frente.


Quando entrei no carro para ir ao cemitério, confesso que cheguei a questionar a Deus sobre o porquê de tudo isso. Por mais fé que eu tenha, para mim não estava nem um pouco claro como é que isso tudo poderia ser transformado em algo bom. Mesmo conhecedora da Palavra e crendo que Deus é perfeito e que Sua vontade é boa, perfeita e agradável, na minha limitação humana e dor eu não conseguia ver isso ali.


Chegando lá,a dor foi terrível. Senti uma tristeza inenarrável me invadindo. Aliás, foi um misto de emoções. A vergonha por ter sido egoísta na minha gratidão porque a minha filha está bem; a tristeza por ver essa querida do fundo do meu coração sofrendo daquela maneira; alívio quando vi meu companheiro ali sabendo que não estava fisicamente sozinha; conforto de ver que o pai da criança estava mantendo mais a calma do que eu esperava e passando muita força para ela; angústia de imaginar como a mãe dela estaria se sentindo à distância naquele momento; apreensão porque sabia que o corpinho dele chegaria a qualquer momento e eu não sabia qual seria a reação dos pais; alegria porque ela me contara que a reação do pai da criança era de fé em Deus pela primeira vez; frustração porque tínhamos enterrado o pai dela anos atrás e agora enterrávamos seu filho; satisfação de saber que nossa ligação permite que estejamos juntas em todos os momentos, mesmo à distância; orgulho pela guerreira que ela se tornou e fé de que Deus estava começando ali um novo capítulo na história desse casal.


Confesso que a minha reação com a morte foi bem esquisita: assumi uma posição bem prática diante das coisas, pegando papel higiênico, oferecendo água e suco sempre, buscando informações e até expulsando gentilmente um grupo de mulheres que do nada apareceram para saber mais detalhes da desgraça alheia só para se sentirem melhor com suas próprias condições. Quando me dei conta, permiti-me chorar e notei que isso foi muito necessário e enriquecedor: senti-me humana e conversei muito com Deus colocando ali os meus sentimentos e as minhas questões. 


Foi quando entendi o que estava acontecendo: o garoto foi a semente que, para que nasça uma árvore nova com várias flores e frutos, deve que partir. Vi ainda que é nessas horas que percebemos com mais clareza o amor do Pai por nós: definitivamente eu peço a Deus que nunca permita-me passar por algo semelhante porque é dolorido demais; por outro lado, Ele entregou o Seu próprio filho, O viu morrer sem interferir e O deixou por instantes... não sei se Deus sente dor como nós porque não tenho certeza de quais regras aplicadas a nós se aplicam a Ele mas, sinceramente, acho que uma situação como essa é o que expressa mais fortemente o que Deus sentiu quando viu o Seu filho morrer.


Demorei para escrever sobre isso... ensaiei começar a escrever por dias e algumas vezes até comecei o texto mas o abandonei. Hoje sei que esse texto é só o registro do dia em que a semente da mudança foi plantada e de que uma nova vida começou naquele dia para mais uma família na Terra. Uma vida melhor. Não com menos lutas mas com mais Cristo. E por isso uma vida definitiva e completamente melhor.

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