Há dois domingos atrás, no culto, eu ouvi o testemunho simples de uma mulher que sempre tinha o costume de passar por um determinado local anos atrás, e toda vez que passava ali via o mesmo morador de rua, sentado, pedindo algo para se alimentar. Ela lembrou que sempre o via, mas que sempre passava apressada, e que na verdade, nunca realmente prestou atenção naquele homem que, até então, era parte da paisagem. Com o passar dos anos, ela se habituou a vê-lo ali, mas nunca realmente tomou nenhuma atitude em relação à situação dele, até que chegou um tempo em sua vida em que ela não passava mais por aquele pedaço da cidade, e portanto, esqueceu o assunto.
Porém, na semana anterior, ela teve que passar pelo mesmo local, e curiosamente, à pé, coisa que não faz quase nunca. Então, foi passando pelas ruas por onde andava sempre, até que em um determinado momento, ela passou pelo mesmo ponto onde aquele homem "morava" e o viu ali ainda, levando a mesma vida de anos antes, sempre pedindo algo para viver. E naquele momento, Deus tocou o seu coração e ela decidiu tirá-lo da paisagem: ela se aproximou, perguntou o seu nome, e o convidou a entrar em um restaurante, e disse a ele para escolher o que quisesse comer, incluindo bebida para acompanhar, uma sobremesa e ao final um café. Além disso, ela perguntou o seu nome e começou a conversar com ele, e soube um pouco mais da vida daquele homem há anos da mendicância no mesmo ponto da cidade. E ali, ele confessou que ninguém tinha jamais feito algo parecido por ele... porque ele está acostumado obviamente a ser praticamente invisível, e mesmo aqueles que o ajudam, nunca pararam para perguntar sobre ele e nem o colocaram em uma posição de dignidade, como igual, sentando à mesma mesa, e se interessando pela história dele. Como terminou? Bom, ela não podia fazer mais do que aquilo que fez, e não sei se isso trará para ambos uma nova visão de muitas coisas, mas certamente um pouquinho de esperança para os dois aquele gesto trouxe. Para ele, uma sensação de ser igual, incluído na sociedade, como há muito não sentia; para ela, uma sensação de que estava ali não desperdiçando o seu tempo, mas investindo naquilo que é mais importante para Deus, que é amar ao próximo, se importando com ele, e fazendo por ele o que ela gostaria que fizessem com ela naquela situação.
Isso me trouxe à memória uma época em que eu podia ajudar a outros... em que eu tinha recursos para presentear, para ajudar, para fazer coisas mais ousadas como o que ela fez... me trouxe uma nostalgia por um lado, por outro, um sentimento de gratidão, mas acima de tudo, uma vontade de poder de novo fazer esse tipo de pequeno gesto que não muda nada, mas pode mudar tudo no dia de alguém. Por que? Porque é assim que me sinto feliz, vendo os sorrisos dos outros, e sabendo que posso usar o que Deus tem me dado para melhorar a vida também de quem está ao redor. Mas aí, me veio um pouco de tristeza, porque hoje não posso mais fazer algo como ela fez, e não conseguiria levar alguém para almoçar, por exemplo... mas, também, com o passar dos dias, ficou mesmo só a experiência registrada no coração, e a vida seguiu.
Hoje, andando pelas ruas da cidade, em um dia com temperaturas perto de zero grau, e vendo que começou a chover, me incomodou ver um senhor sentado, encolhidinho, com um guarda-chuva tentando se esquivar daquele vento desagradável e do frio que certamente o golpeia durante todo o dia. Lembrei-me daquela mulher, e vi que esse senhor estava sentado na frente de uma cafeteria, e pensei em fazer algo dentro da minha possibilidade para ele. Então, entrei, pedi um cappuccino para viagem, e comprei também uma tortinha de chocolate, que não mata a fome, mas talvez adoçasse o seu dia. Embalei e levei para ele, e me abaixei, e perguntei o seu nome, e ele, Valentino, ficou feliz porque pôde me contar que aquela era a primeira vez que alguém parou para conversar com ele nos quatorze meses em que ele está ali... Confesso que me faltaram palavras, e a única coisa que pude dizer quando ele tentou me agradecer, foi que ele deveria agradecer a Deus, porque me permitiu ter condições de ajudá-lo. No fim, nos despedimos e segui o dia de trabalho e correria que eu tinha ainda pela frente.
Se isso mudou a vida dele? Provavelmente não. Talvez tenha esquentado um pouco o corpo, talvez adoçado um pouco a visão, mas não mais do que isso. Se isso mudou a minha vida? Bastante! Além de me lembrar do quando sou abençoada, pude também reparar que realmente às vezes não é o valor financeiro daquilo que se entrega, mas o tempo, a disposição de ouvir e conversar, ou de fazer um gesto inesperado, que realmente surpreenda positivamente a pessoa. Eu gostaria de ter feito mais? Sim, mas não sabia bem o que e nem como. O que fiz foi orar para que Deus trouxesse meios ao Valentino de encontrar uma outra saída para a sua vida como um todo. E se possível, passarei lá de novo um dia, torcendo para não vê-lo, esperando que esteja bem, em uma situação muito melhor e mais confortável do que aquela.
Por fim, percebi ainda que uma história faz sentido não só quando é ouvida, mas principalmente quando é praticada. Não para o Valetino só, mas também para mim. Quando percebemos que podemos nos doar ao menos um tantinho, conseguimos enxergar muito mais além do que as nossas circunstâncias nos permitem às vezes... e isso é tão bom, porque sentimos que Deus, de fato, está agindo ali, seja com um carinho, seja com um cappuccino, seja com um papo rápido, ou com qualquer outra coisa que a pessoa precise naquele instante. E claro, com reflexões e respostas para nós, aumentando a nossa clareza do quanto somos realmente abençoados, mesmo sem merecer, e infelizmente, muitas vezes sem perceber.
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