Tecnicamente, ela só existe quando a mãe falece, mas na prática ela está lá desde quando papai deixou de ser marido da mamãe e passou a estar com essa mulher que, vindo de fora, testemunha muita coisa, vê percepções de muitos lados, mas não conta no fim das contas.
Parece dramático, não? Talvez soe mesmo exagero, mas pensa comigo: quando a criança fica doente na casa do pai, quem é que fica a noite acordada com eles? Nem quando ela não quer, só porque o homem está lá com a sua criança doente, a rotina dela é mudada.
Outro exemplo: quando as crianças saem de férias... Quem vai junto na viagem programada para eles? Exatamente: ela, que vai contente por participar mas sem saber direito muitas vezes até que ponto ela realmente faz parte.
Festas das crianças... O pai participa obviamente junto com a mãe... E ela fica sabendo, ajuda a organizar as coisas, manda parabéns e deve se contentar com fotos caso elas seja feitas durante o evento.
E quando as crianças ficam muito tempo sem ver o pai, seja porque ele vai viajar, ou porque elas viajaram com a mãe? Eles se falam em chamadas de vídeo, que ela não participa porque a mãe que só ligou para que as crianças tivessem contato com o pai não tem o menor interesse em lembrar que você existe. E a lógica da mãe tem sentido, já que de alguma forma, ela, a madrasta, é uma figura feminina que não é a mãe e que passa a fazer parte da vida das crianças. Não é fácil lidar com isso.
Isso sem falar em tantas outras coisas que acontecem...
Aquelas crianças não são suas, mas ou você escolhe amá-las como se fossem (mesmo sabendo que vai constantemente sem lembrada que você é o elemento estranho, seja por palavras, seja por atitudes, seja por circunstâncias), ou você se ausenta de uma parte fundamental da vida do seu marido, já que ele é, antes de te conhecer, pai daqueles rebentos.
Ou seja, você está o tempo todo no filme, mas não faz parte dele.
É como se você fosse um personagem oculto, que está ali porque ele está contido na história, mas ele tem pouca ou nenhuma relevância na maioria das vezes. O filme até poderia acontecer sem ele, mas ele está lá, vendo tudo o que se passa com os personagens do roteiro, procurando entender a medida da sua participação para não sumir e ao mesmo tempo, não roubar a cena.
Acho ainda que o papel quem escolhe é a madrasta, mas não tem personagem principal e você não será destaque ou prioridade nesse contexto jamais. E isso faz parte da vida.
Hoje eu entendo porque algumas mulheres, quando se casam com homens já com filhos, decidem ter seus próprios filhos com eles: de certo modo, é uma maneira de fazer parte da história principal (ou pelo menos de sentir-se assim).
Apesar de tudo isso, curiosamente, é uma tremenda oportunidade de aprender a amar, de se doar, e de fazer a diferença em um contexto delicado mas que pode ser melhor se você decidir que quer contribuir sempre.
É escolher ser invisível, se fazer presente de modos novos... E em vários momentos, se questionar porque você escolheu viver um filme que seja "seu"... Mas por outro lado, é saber que uma vez que as relações entre você e as crianças acontecem, são reais, e sinceras, e isso não tem preço.
Então, enquanto você estiver escondendo as suas lágrimas porque a saudade bateu e você não tem direito de fazer nada para diminuí-la, lembre-se de que você é abençoada, e que ser parte dessa história depende de você. E mais do que isso: que a sua vida não seria tão rica de você não fizesse parte deste filme...
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