terça-feira, 15 de maio de 2012

Flertando com o abismo

Eu tenho um lado mal... um lado altamente auto-destrutivo que me deixa perto (e até me iguala em alguns pontos) de tudo aquilo que eu penso ser mau ou desprezível.


Eu olho o abismo de longe e penso o quanto ele é profundo e o quanto ele me machucaria se eu caísse ali. Esse primeiro pensamento de terror fica na minha cabeça por um tanto de tempo e eu peço a Deus que me coloque distante daquele lugar.


Só que, quando eu não peço ajuda ou quando simplesmente decido ignorar a ajuda que veio (que por sinal fui eu mesma quem pediu mas... faço questão de ignorar) eu começo a olhar por mais um segundo para aquele abismo e fico pensando o quanto ele pode ser profundo. Começo a avaliar e chegar mais perto para ter a certeza de que o buraco é grande mesmo e que é de fato perigoso.


Mais um pouco e eu começo a me aproximar um pouquinho mais, só mais um tantinho porque daqui eu vejo um borrão lá no meio mas não consigo ter certeza se é uma flor... bom, provavelmente é uma flor... afinal, o que mais teria esse colorido bonito no meio desse monte de pedras lá no meio das paredes frias e arranhadas de pedra do abismo? Bom, se ao menos eu chegasse um pouquinho mais perto... talvez fosse mais fácil entender se é mesmo uma flor ou se pode ser um pássaro que fez seu ninho por ali. Só que chegar mais perto deixa tudo mais arriscado... e eu não quero cair.


Quem sabe então se eu me sentar no chão? Dessa forma, posso me achegar mais um pouco e olhar mais no fundo... parece tão bonita aquela flor ali... que espécie será que é? Nem imagino mas tenho certeza de que é uma espécie rara... e eu gostaria tanto de vê-la de perto... fotos não me dariam a clareza que eu quero. Então, me pego pensando... qual será a profundidade desse abismo? Será que é tão fundo assim? Não pode ser... eu acho que com o equipamento correto eu posso chegar lá naquele ponto em que está a flor.


Procuro então cordas e estacas para, uma amarrada na outra, conseguir descer de modo seguro. Bom, se eu parar para pensar vou perceber que não é lá muito seguro (ou nada seguro) e então, já que cheguei tão longe, eu não penso mais... eu só vou me arrumando para ir até ali e resgatar a flor que só eu vi até hoje e ganhar a fama por ter descoberto algo inédito.


Aos poucos vou descendo, bem devagar mas quando o vento bate no meu rosto, a vontade é de me livrar das cordas e planar... mas, espera um pouco.... voar? Só é possível em sonhos... mas é tão bonito que eu só posso estar sonhando então... por que não tentar voar até ali? As cordas não chegam mesmo... 


Só que, de repente, um vento mais forte bate e a corda balança com violência e eu percebo que eu não estou sonhando e que eu vou mesmo cair lá no fundo (que por sinal, estando tão perto, é fundo mesmo... muito mais do que dá para confirmar dali de cima) e que vou me machucar bastante, correndo o risco de talvez nem sobreviver. Nesse momento, eu me agarro na corda lembrando que ela é o que me impede de cair lá embaixo me espatifando e destruindo o meu corpo por completo.


Com a força que seguro a corda, é claro que ela não vai escapar e eu me sinto segura. Só que, noto que, por causa do vento, a corda enrosca em um determinado pedaço daquela muralha e com o meu peso balançando a corda roça em uma ponta de pedra e começa a ceder... logo agora que eu já estava chegando na flor... e a corda se rompe e eu caio naquele pequeno pedaço de pedra bem no meio da beira do abismo e o fundo... mas é então que eu percebo que não é uma flor... é o pedaço da roupa de alguém que caiu por ali e morreu de fome e sede por ter sido enganado por aquela visão maravilhosa.


Agora, por causa da minha arrogância, estou sentada no meio de um abismo, mal acomodada em um minúsculo pedaço de pedra entre uma parede enorme de pedras lisas e o chão lá no fundo que eu vejo agora que nem água tem. Bom, pelo menos eu sobrevivi à queda... mas, como posso voltar àquele pedaço de chão em que estava antes de ver o abismo e cair nas garras dele?


Peço ajuda a Deus e Ele se oferece para me ajudar... só que Ele só vai fazer aquilo que eu não conseguir. Afinal, se eu não passar por isso, na hora em que encontrar um novo buraco, vou começar tudo outra vez, e de novo, e de novo... até que em um dia, a corda de rompa mas não haja nenhum pedacinho intermediário de pedra e eu me estatele no fundo daquele abismo matando todos os sonhos meus e Dele para mim. Então, começo a me esforçar usando da melhor forma que posso as minhas mãos e pés, meus braços e pernas se esticam ao máximo mas não parece ser o suficiente.


Para encurtar, na primeira vez que flertei com um abismo, o Senhor me poupou e eu demorei um tempo precioso demais para sair dali e um tempo maior ainda para me curar. Diria ainda que talvez nem todas as feridas da primeira queda tenham sido fechadas por completo mas eu já insisti de entrar em um abismo mais algumas vezes... e cada vez que eu vejo a flor (ou o pássaro, ou uma pessoa me pedindo ajuda... não importa) eu esqueço que da última vez eu estava enganada e caio de novo na mesma armadilha. Até quando isso vai acontecer?


Para isso, ouvi nesses dias o conselho de um sábio amigo que, mesmo não conhecendo a Deus e não reconhecendo valor na Bíblia, disse para que eu vigie e ore. Vigiar e orar... orar e vigiar... um não elimina o outro e o outro não substitui o um. Ora, se até ele sabe, como é que eu me esqueço sempre disso? A minha arrogância é a chave de tudo isso. Achar que sou imune e que não posso me machucar ou machucar quem está ao meu lado é a maior droga que consumo e, com isso, sigo fazendo as coisas do meu jeito que obviamente não dá certo mas eu continuo tentando... até que eu me renda ou que eu morra de vez.


Senhor, salva-me! Eu não quero morrer sem ver as verdadeiras flores e pássaros que o Senhor fez no mundo fora do abismo. Eu sei que o Senhor já me salvou várias vezes mas, eu te imploro, me dá mais uma chance. Permita-me confiar novamente no Teu amor e na Tua infinita graça. Peço-te que sejas misericordioso e não justo porque, se fores justo, eu serei destruída. Ajuda-me a me erguer e trazer comigo aqueles que levei para o abismo junto de mim. Perdoa-me, Senhor!

Um comentário:

  1. Estava no hospital quando vi um pedaço de revista cortado no chão, nele estava escrito "flertando com o abismo" achei interessante então cheguei em casa e pesquisei esse título, vi várias notícias de política mas algo em mim me fez continuar lendo atet encontrar esse lindo texto. Obrigada!

    ResponderExcluir