O contraponto

Outro dia escrevi um texto falando do meu irmão, de descascar laranjas e de muitas coisas que Deus vem mostrando no meu dia-a-dia que precisam ser mudadas em mim. E mostrei para ele o texto e ele, depois de alguns comentários, perguntou: "poxa, por que você falou cinco vezes que eu passo o farol vermelho e não contou o quanto eu tenho melhorado..."

Então, para ser justa (não com ele porque tanto ele como eu somos pecadores e de fato não precisamos de ninguém dando moral para o nosso ego que já é naturalmente grande) mas em relação ao que Deus tem feito na vida dele, preciso contar um pouco do que tem acontecido.

Normalmente eu não escrevo coisas sobre pessoas que possam ser facilmente identificadas, especialmente porque não peço permissão normalmente para escrever e por isso procuro mantê-las anônimas. Mas, neste caso, entendo que estou atendendo a um pedido e portanto vou entrar em mais detalhes.

Eu o conheci no trabalho. Na realidade ele foi meu estagiário. Aliás, só no cargo porque desde que começou a entender um pouquinho de nada, ele já se posicionava como especialista. Isso era bom e ruim: a vantagem (que continua sendo mesmo uma coisa boa) é que ele passa confiança pro cliente; a ruim é que de vez em quando ele ainda faz umas porcarias simplesmente porque não sabe perguntar. Quando ele chegou, tinha uma namorada com quem ele queria casar e para quem ele mandava flores e fazia programas românticos... eles já tinham os nomes das filhas que teriam e ele fazia planos para juntar dinheiro com ela e depois juntar os trapinhos.

Num dado momento, eles começaram a brigar constantemente e eu acabei (por diversos motivos) acompanhando (pela perspectiva dele) o que aconteceu. Em muitos momentos eu me colocava no lugar dele, mas com o passar do tempo eu vi que de verdade ela tinha muita razão. E, de certo modo, isso me fez ver um cara que eu não tinha visto até então. Se, por um lado, ele é um cara carismático, simpático, decidido e com vontade de vencer, por outro, ele era de modo mascarado um controlador, autoritário, mimado e arrogante. E também um cara muito frio e bastante centrado em si mesmo. E isso foi transparecendo para mim de modo chocante.

Por outro lado, eu sabia dentro de mim que ele será pastor e um dia eu conversei com ele sobre isso. E a partir daquele dia, eu via que o menino de ouro que pregava na igreja dos pais de vez em quando e tinha sucesso profissional até ali, na verdade, passaria por um processo de preparação de Deus enorme para se tornar um instrumento poderoso nas mãos Dele.

Durante esse tempo em que ele afirmava conhecer Deus mas ouvia músicas do Shaggy (pelo amor de Deus, se você não conhece, nem conheça) em seu carro de maloqueiro com um equipamento de som estupidamente potente, eu ficava muito na dúvida e comecei a achar que eu estava ficando maluca e que aquele garoto iria demorar séculos para se tornar algo parecido com um instrumento de Deus na vida de alguém de propósito.

Mesmo assim, ele foi em muitos momentos, um presente de Deus para mim. Em momentos extremamente difíceis em que me senti sozinha e achei que estava realmente em apuros ele me acolheu de um modo absolutamente surpreendente. Sei que, no fundo, isso foi uma surpresa para mim e para ele porque pouco tempo antes ele nunca faria por ninguém o que fez por mim. Mas, agora eu vejo: era Deus agindo através da vida dele.

Quando ele decidiu ter o seu encontro com Deus e conhecê-lo de perto, as coisas mudaram radicalmente. Ele decidiu mudar de vida mesmo e, aos poucos, algumas coisas que eram mesmo marcas registradas dele deixaram de existir. Ele passou a ouvir louvores e quando eu viajei ele ficou encarregado de mandar os louvores diários para nossos amigos (e o fez maravilhosamente bem); ele passou a orar pelos outros (ainda baixinho para que ninguém escutasse no começo mas depois com ousadia, declarando o que precisa ser dito); criou um amor imenso pelas almas e se dispõe a ser instrumento de Deus sempre.

Ele continua tendo um milhão de defeitos mas, ao mesmo tempo, tem sido realmente alguém que faz a diferença por onde passa. E agora, não por si mesmo, mas porque passou a expressar cada vez mais a alegria e o amor de Cristo. E tem buscado expressar isso a cada dia mais. E, inacreditavelmente, continua me amando de modo absolutamente incondicional... de um jeito que nem eu mesma sei explicar, mas tenho certeza de que é fruto do coração apaixonado por Jesus que ele tem cultivado. Até porque, eu no lugar dele, provavelmente já teria me mandado catar coquinho...

Ou seja, fazendo o contraponto em relação ao texto anterior, posso dizer que é uma alegria caminhar com ele e por dois motivos: ele tem um coração incrível para Deus e Deus tem honrado essa disposição dele em buscá-Lo. Ainda vamos ter muitas discussões, mas hoje tenho certeza de que poderei cumprir a promessa que fiz na cartinha que escrevi para ele quando ele se encontrou com Deus: que estarei do seu lado sempre, irei ao seu casamento, serei uma tia babona de suas gêmeas e ainda cresceremos juntos muito e muito, tanto quanto Deus permita (e eu espero que tenha aí umas boas décadas).