Engraçado como são as coisas: justo eu que sou normalmente a primeira pessoa a levantar bandeiras inusitadas ontem entrei em um embate sobre o quanto um profissional de alguma área "secular" (ou leiga, no sentido de não ter ligação direta com uma estrutura religiosa) pode ou não exercer seu chamado pastoral. Hum... justo eu que, anos atrás, entendi que tinha ganho um rebanho no escritório em que trabalhava, e sabia que Deus tinha propósito naquele lugar para alcançar vidas através da minha? Pois é... eu caí nessa.
Enfim, ontem eu fiquei pensando em como um cirurgião poderia atuar como canal de Cristo na vida de alguém. Claro que naquele momento a minha mentalidade curta me fazia ver apenas que minimamente para alguém conseguir pastorear uma pessoa esta não deveria estar anestesiada, coisa que acontece em uma mesa de cirurgia... E o argumento que ouvi foi de que existe o pré-operatório, o pós-operatório e que, mesmo que isso não fosse o suficiente para o meu conceito de acompanhamento (claro que a pessoa disse isso de modo infinitas vezes mais educado do que estou expressando aqui), a Medicina está mudando e muitas coisas na relação entre o médico e o paciente vem mudando. E que sim, a Medicina é uma forma de cuidar de almas.
Por respeito a quem disse isso eu disse que ia pensar no assunto, meio achando que médicos cuidam de corpos, e pastores cuidam de almas, e que na verdade, a visão daquela pessoa estava comprometida pela paixão que ela tem pela Medicina, e que no fundo eu até ia pensar mas que a minha opinião não ia mudar... e reconheci que, de fato, não entendo nada do assunto e que hoje eu reconheço que não preciso conhecer de tudo e que isso é bom (o que no fim foi um jeito de não ter que enfrentar o assunto na hora, de modo que o sentimento que eu tinha no momento pudesse ser colocado para fora da equação).
O ponto é que hoje eu assisti a um filme que tem uma cena de uns vinte segundos numa sala de cirurgia que me fez entender o que exatamente aquela pessoa tentava me dizer ontem. A situação era a seguinte: um rapaz ensanguentado entra na sala de cirurgia em caráter de emergência por ter sido baleado no abdômen. Até aí, nada diferente de milhares de outros filmes já produzidos em Hollywood. Mas, ao chegar na sala de cirurgia, o rapaz de 17 anos está apavorado e com muita dor, e o médico, ao olhar para ele, pergunta seu nome e o rapaz responde perguntando sobre a sua mãe. O médico então percebe o medo no olhar daquele garoto e diz que sua mãe chegará mais rápido do que ele conseguirá perceber e rapidamente o prepara para a cirurgia que retirará o seu rim afetado pelo projétil e acalma o coração do moço, fazendo com que o tranquilizante faça efeito em seguida e ele possa realizar o procedimento cirúrgico.
Sim, eu sei, a cena não tem nada de extraordinário, e provavelmente é isso que acontece nas milhares de cirurgias que acontecem dentro e fora das telas. Mas naquele momento veio a consciência do quanto eu fui limitada ontem... e várias lembranças me vieram à mente, entre elas, a das diversas vezes em que minha irmã falou sobre como o médico que trocou seu fêmur por uma prótese de titânio mudou sua vida (e como ela mudou a dele). E eu senti um misto de vergonha e admiração.
A vergonha foi por ter permitido que meu pensamento se adequasse a um formato tão limitado e retrógrado (e pior, que nunca foi meu) e a admiração foi por ver o quanto alguém disposto a mudar vidas pode realmente fazer as coisas serem especiais, independente de onde esteja.
Lembro-me ainda de uma história de uma camareira que sempre arrumava quartos e deixava bilhetes gentis para seus hóspedes, e um dia ela foi presenteada com um ramalhete de flores por alguém que conseguiu reconhecer o que milhares de pessoas não foram capazes de enxergar. Penso nas diversas pessoas que servem cafés pelas padarias das cidades e que, de alguma forma, imprimem seu sorriso e seu amor naquilo que servem. E pensei no quanto no fim eu tinha limitado Deus com aquele pensamento.
Pedido de perdão feito a Deus, escrevo esse texto como reconhecimento à pessoa de que eu não tinha razão, e também para registrar o fato, já que aparentemente contar com minha memória não é mesmo um negócio muito seguro.
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