Uma das personagens que mais me intrigam na Bíblia é Marta, a irmã de Lázaro (o ressuscitado por Jesus) e Maria (aquela que derramou o perfume de nardo puro em Jesus dias antes de Sua morte e ressurreição). Ela é conhecida, normalmente, como a "mulher de muitos afazeres", ou "aquela que não escolheu a melhor parte".
Não sei se isso sempre me intrigou porque, de verdade, por muitas vezes, fui comparada a ela, e isso acontecia porque as pessoas queriam me dizer que eu era como ela: ao invés de adorar a Deus, sentar-me aos Seus pés e ouvir o que Ele tem a dizer, eu ficava agitada de um lado para outro fazendo coisas. Ao mesmo tempo que essa é uma interpretação literal e até meio óbvia da história, acho ela um tanto rasa e simplista de uma mulher que é citada em dois episódios de grande repercussão na Bíblia. Tudo bem que a sua irmã, Maria, foi citada em quatro momentos, e seu caráter de entrega a Jesus é mencionado como um exemplo a ser seguido (o que é de fato indiscutível), mas acho que quando pensam e analisam Marta, pouco se aprofundam na real questão dessa mulher.
Marta me parecia ser a irmã mais velha e, embora eu não tenha provas disso na Bíblia, o comportamento dela me induz a pensar assim. Como a Bíblia não cita a presença de outros familiares, posso até assumir que eles não tinham pais mas ainda eram relativamente jovens, já que nenhum deles ainda tinha se casado, e mulheres solteiras na época eram raridade, ainda mais aquelas que podiam dirigir a palavra a homens, quanto mais a profetas, como Jesus era considerado. E sim, posso estar sendo leviana e falando uma série de bobagens históricas e teológicas, mas a preocupação de Marta com o funcionamento das coisas me faz pensar que, de algum modo, ela se tornou responsável pelo bom andamento de tudo em sua casa.
Ora, alguém que se torna responsável por uma família assim, sem pais e outros familiares presentes, tende a compensar essa ausência buscando por excelência. Em geral, pessoas assim tornam-se independentes, por entender que ela e outros dependem dela para que as coisas fluam do modo correto. Então, é comum ver pessoas assim, que tenham sido obrigadas a amadurecer mais rápido, sendo mais práticas, mais responsáveis, mais resilientes, e mais preocupadas com uma série de detalhes e pequenas coisas que nem tem tanto valor para outros, mas que de alguma forma, servem de recompensa a elas mesmas pelo seu bom trabalho. Para alguém assim, é mais difícil relaxar e aproveitar o momento, porque são raras as situações em que isso lhes é permitido. Então, "fazer" é o seu natural, não por preferência, mas por criação ou por necessidade, e isso passa a ser o seu "padrão".
Complicado para alguém que teve que "crescer" tão rápido aceitar que os outros à sua volta não tenham o mesmo ritmo que o seu. E para mim, isso justifica a sua crítica à Maria: não era porque ela achava mesmo que Maria tinha que fazer ou deixar de fazer, mas porque, além dela se sentir sozinha com as responsabilidades da manutenção da casa (especialmente em um evento especial, já que Jesus estava ali), ela entendia que Maria tinha que crescer, assim como ela o fez. De algum modo, imagino que ela buscava até "educar" sua irmã para prepará-la para o casamento que viria, ou algo do tipo. Por isso, quando ela fala com o Mestre, ela tem certeza de que Ele vai apoiá-la: porque acredita que está buscando guiar sua irmã para o melhor e o Mestre, certamente, concordaria com o que ela estava ensinando. Mas, para a sua surpresa, Ele diz que Marta não está errada, porque tem olhos naturais para a circunstância, mas Maria teve uma percepção espiritual do momento e conseguiu capturar o que estava no coração do Senhor, ao passo que Marta só conseguia enxergar o que era o protocolo e o seu papel de mulher naquela sociedade.
Marta não estava errada; ela tinha uma visão limitada do Reino de Deus. Ela não estava sendo negligente em cuidar daquilo que de fato era a sua responsabilidade: ela não via as coisas com o olhar de eternidade, olhando apenas o que fazia sentido no mundo material e físico em que ela vivia. Ela não estava equivocada em ver Jesus como um convidado a ser servido, mas Maria conseguiu, por conectar-se com o coração do Mestre, ver que o Salvador estava ali, e que mais do que ser servido, Ele queria deixar Seu legado e relacionar-se com quem estava ao Seu redor.
Sempre ouvi as pessoas chamando outras de Marta com um tom jocoso, pejorativo, quase como que acusando a pessoa de não ser "espiritual" o suficiente. Mas... Marta não estava errada dentro do seu contexto. O que faltava a Marta era uma percepção que, cá para nós, era mesmo difícil de ter, e pouquíssimos tiveram enquanto Jesus viveu e andou pela Terra. Aliás, nem mesmo os discípulos tinham essa percepção que Maria teve. Por que então culpamos tanto Marta?
Quantas Martas temos ao nosso redor? Quantos somos Martas, cumprindo nossos papéis, completamente certos de que é isso que precisa ser feito, e até estando mesmo corretos em relação a isso mas, por outro lado, cumprindo um papel que é passageiro por pura falta de visão espiritual? A culpa é de Marta? Jesus explicou amorosamente a ela que existia algo maior que ela não enxergava... era escolha dela buscar Dele mais sobre o assunto ou voltar para as suas tarefas. E ela escolheu.
Arrogante? Sem visão? Limitada? Buscando se entorpecer com o cotidiano? Ou apenas alguém que nos dias de hoje necessitaria da nossa oração para conhecer a Jesus, não apenas receber uma visita Dele, mas para parar, ouvi-Lo, e convidá-Lo para morar ali, e não só se hospedar por alguns dias?
Somos rápidos em rotular, e lentos em buscar compaixão, empatia e amor. Marta era, para a sua sociedade, uma mulher exemplar, que cuidava de quem estava ao seu redor. Maria, por outro lado, era tida como não tão convencional e talvez até "avoada", mas tinha uma percepção muito clara do coração de Jesus. Mas, apesar de tudo, ela contava com a estrutura que Marta provia para ela.
Então, tinha alguém melhor nessa casa? Marta ou Maria? Penso que as duas tinham suas características, e cada uma o seu jeito e o seu papel. Marta era, a seu modo, sincera com Jesus, porque expunha aquilo que estava em seu coração assim como Maria. A diferença de postura? Marta conhecia o homem Jesus e lidava com ele; Maria conhecia o coração do Pai de Jesus, e se prostrava Àquele que era e é Único.
Meu coração chora pelas Martas. Não porque elas estejam erradas, até porque dependendo da maneira como se vê, elas não estão. Mas porque elas tem uma visão limitada de si mesmas, de Jesus, e não conhecem a vida eterna. E porque, infelizmente, são recriminadas por precisarem de ajuda para conhecer algo que para elas é absolutamente desconhecido...
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