Unidade é uma coisa tão delicada, e temos falado tanto sobre o assunto nos últimos tempos, que vejo que, mesmo com todas as conversas e leituras sobre o assunto, ainda surgem dúvidas.
Eu particularmente fui criada pelos adultos ao meu redor para ser independente, especialmente em relação a homens. O conceito de autoridade foi formado de modo distorcido e tudo o que eu aprendi sobre unidade na infância foi meio torto, porque meus exemplos, mesmo sem querer, não eram muito bons. Bastava olhar para os meus familiares e ver que esse negócio de unidade não funcionava direito, e mesmo nos casos em que parecia funcionar, chegando mais perto era possível ver que muita coisa era mais discurso do que ação.
Enfim, crescendo, minhas escolhas confirmavam aquilo que eu aprendera, afinal de contas, eu só sabia (mesmo inconscientemente) escolher o que não funcionava nesse sentido. E mesmo fazendo todo o esforço do mundo, nada mudava, afinal, o que tinha que mudar era o meu conceito e não a forma como eu empregava meus conceitos vigentes, mas eu não via isso.
Mais recentemente, as coisas foram mudando na minha vida, e eu vejo mesmo que o meu coração e a minha mente já são diferentes nesse sentido. Eu sei que as pessoas erram, e sei que sempre haverá chance para a frustração, mas quem disse que a vida seria indolor? Aliás, embora eu prefira hoje buscar aprender através do amor e do exemplo alheio, de vez em quando eu ainda percebo que, em alguns sentidos, a dor é uma professora excelente.
O fato é que, conforme a gente vai se dispondo a desprender-se de conceitos de independência em relação a todos (inclusive ou principalmente Deus) parece que as coisas vão ficando mais desafiadoras, e surgem aquelas pessoas ao nosso redor que insistem em dizer que tudo isso não passa de lavagem cerebral.
Parando pra pensar, concordo que é mesmo uma lavagem, já que a mente fica lavada dos conceitos antigos e podres que não funcionam pra ninguém, mas volta e meia aparece um argumento que te faz balançar...
Uma vez eu ouvi um comentário comparando a igreja com os borgs. Para quem já assistiu "Jornada nas Estrelas" isso é fácil de entender, mas para quem nunca viu, eu explico: os borgs são um povo que, embora tenham muitos corpos, tem apenas uma mente. Para os borgs, não existe individualidade: todos eles estão conectados a um cérebro central e eles não tem liberdade de escolher absolutamente nada. Inclusive seus sentimentos são abafados, e seus pensamentos deixam de existir. Para os borgs, todos os povos novos são, como eles mesmo definem, "assimilados": suas culturas são aprendidas e anexadas ao conhecimento geral dos borgs, e então os conquistados deixam de ser indivíduos e passam a fazer parte daquela massa coletiva comandada por um cérebro único virtual.
Se a gente não conhece mais a fundo a Jesus ou os borgs, de fato, é fácil achar que faz todo sentido pensar na igreja assim, mas, conforme se conhece o caráter de Cristo, vê-se que essa ideia não faz sentido algum. O problema é que, mesmo sabendo disso na teoria, na prática, muitas vezes, os cristãos confundem as bolas e acham que estamos sob o domínio borg e não fazendo parte do Corpo de Cristo.
A primeira grande diferença é que Jesus nos convida, os borgs avisam apenas que seu objetivo é assimilar. Jesus não força ninguém, não pressiona, não amarra alguém e diz que dali em diante a pessoa deve pensar isso ou aquilo. As pessoas fazem isso (infelizmente) mas Jesus nunca o fez.
Outra coisa é que Jesus nunca pediu em nenhuma das passagens que existem na Bíblia, que a pessoa deixasse de ser quem ela era: o que ele sempre disse foi que a pessoa deveria deixar certas práticas pecaminosas (e faz todo sentido, já que o pecado é qualquer ação que nos afaste de Deus). Jesus em nenhum momento disse que a pessoa deveria deixar de gostar de A ou de B, ou ainda que a pessoa deveria ser de uma forma ou de outra, a não ser nos casos em que os gostos ou preferências as afastassem de Deus. Aliás, Jesus mesmo não saiu por aí julgando ninguém que não declarasse conhecer a Deus, e o que Ele criticava eram pessoas que diziam que conheciam a Deus e que andavam com Ele mas que, no fundo, tinham um discurso que não era sustentado pelas suas ações, e por isso, difamavam o nome do Pai, que sempre foi, é e será Amor.
O nosso Pai (por falar Nele) nos criou diferentes uns dos outros, e fez isso para que todos pudessem compartilhar algo e acrescentar algo na vida do outro. Sem esse ingrediente, não há crescimento humano, e não existe troca. Então, se Deus mesmo nos fez diferentes, porque raios Ele ia querer que nos tornássemos borgs? Estranho seria se Deus fosse assim tão incoerente.
Percebi então que a grande confusão é que as pessoas acham que para ter unidade elas devem abrir mão de sua identidade, assumindo que desta forma os seus desejos, sentimentos e pensamentos estarão alinhados com o restante... e na verdade, isso até funciona mesmo (por um tempo) mas quando a pessoa percebe, algo fica faltando dentro dela, e é a essência daquilo que Deus a criou para ser: o propósito Divino individual para cada vida, que só pode ser cumprido quando a pessoa tem clareza de quem ela é e mantém isso, mesmo diante das diversidades.
Então, como faz para cumprir o que Jesus falou de "negar-se a si mesmo, tomar a cruz e seguir a Ele"? Bom, eu entendi que para seguir Jesus, a primeira coisa que tem que acontecer é ter uma identidade completamente curada, restaurada e firme em Deus. Ou seja, quem não sabe a que veio neste mundo, de fato não consegue seguir Jesus. Pode até ter Jesus como Salvador, e contar com Ele na hora do aperto, mas seguir Seus passos e Seus exemplos? Bom, isso acontece até que a pessoa seja confrontada e veja em um grande espelho quem de fato ela é, e tenha a oportunidade de encarar que necessita de mudança.
Negar-se a si mesmo, para mim, não é deixar de ter identidade, e de jeito nenhum é se transformar em um borg: negar-se é ter a plena convicção de quem se é, e por isso mesmo, fazer as escolhas que Jesus fez, não pensando em Si mesmo, mas pensando naquilo que Seu Pai tinha planejado: a salvação para a humanidade.
Negar-se a si mesmo é difícil porque não tem a ver com deixar a identidade de lado. Pelo contrário, tem a ver com abraçar a sua identidade em Deus até o fim e mesmo ouvindo de pessoas que não O conhecem que você está maluco, seguir adiante, como Jesus seguiu. Ele abraçou a Sua identidade, mas abriu mão de Seus desejos humanos. Difícil? Sim, volta e meia a coisa aperta e a gente sofre, grita, mas no fundo, é só mais uma batalha contra o maior obstáculo que enfrentamos para nos achegarmos a Deus: nós mesmos.
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