Mais conhecida como uma frase de Jesus, a frase "nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus" é na realidade de autoria de Moisés (mencionada posteriormente por Jesus) em um contexto em que ele relata a saga do povo de Israel através dos quarenta anos no deserto, depois da fuga da escravidão de 400 anos no Egito. Essa frase é dita em um contexto em que ele quer mostrar que, apesar do povo se preocupar com coisas naturais (que são lícitas e necessárias) aquele que depende de Deus deverá contar também com o sobrenatural, já que por quarenta anos Deus os sustentou com o maná, que era um tipo de farinha que caía do céu e servia para alimentar o povo e tinha uma durabilidade além da compreensão humana: em dias normais, o maná permanecia próprio para consumo por apenas 24 horas; já o maná que era distribuído no dia do descanso estabelecido pelo Senhor, esse permanecia bom para consumo por 48 horas, respeitando a própria ordenança do Senhor. Ora, se o maná era o mesmo, como é que ele durava tempos diferentes dependendo do "final de semana"? Somente a ação sobrenatural do Deus de Israel poderia fazer tal milagre cotidiano.
Sendo assim, embora nos mantenhamos muitas vezes de olho naquilo que acontece ao nosso redor, como nossos empregos, relacionamentos, casa, carros, estudos, projetos e tantas outras coisas, Moisés (e depois Jesus) lembra que o nosso Deus pode todas as coisas e que, quando Ele manda, o impossível aos olhos humanos acontece, no tempo Dele, do jeito Dele e pelo prazo que Ele entende que é adequado. Lindo isso, não?
Mas confesso que quando ouço essa palavra eu me lembro de um filme que gosto muito chamado "Comer, rezar, amar", cujo enredo é a narrativa de uma escritora que, cansada da vida conjugal e da mesmice em geral de seu contexto, decide simplesmente se separar e seguir uma outra vida, dando a si mesma um ano sabático pelo qual ela passa pela Itália (a parte "comer" do filme), pela India (a parte "rezar") e pela Indonesia (a parte "amar"), e que muda tudo dentro dela mesma. O filme começa com algumas imagens dela chegando para conversar com um guru, e enquanto a câmera mostra o cenário simples pelo qual ela passa, a personagem principal Liz Gilbert relata uma experiência de sua amiga que, sendo psicóloga, é convidada para atender sobreviventes de guerra em campos de refugiados, e da descoberta dessa amiga que o assunto principal que era tratado nas sessões não era o horror dos combates, a sensação de fragilidade e abandono, a tristeza pela condição local, mas sim os relacionamentos amorosos entre as pessoas. Ela mesma narra que a preocupação era com o tal do fulano que uma moça conheceu no campo e se apaixonou, mas esse casou com outra, e agora fica paquerando ela... e isso mostra que no fim das contas, gente é gente em qualquer canto do mundo e quase em todas as condições.
Voltando ao meu assunto então, e convivendo agora com pessoas novas, vejo o quanto as aflições humanas em geral variam pouco. Eu que me sentia superficial por me preocupar com coisas do coração ao invés de tomar mais tempo com questões sociais, agora me sinto mais confortada, porque vejo que isso é algo generalizado, e que na verdade, existe mesmo em todo mundo um espaço no interior que, em geral, as pessoas procuram preencher com qualquer coisa que seja apresentada a elas, até que conheçam a Deus, e percebam que Ele é o único que pode preencher perfeitamente esse espaço, sem deixar folguinhas ou vãos, e que nunca vai machucar porque não é necessário forçar um encaixe que não é perfeito.
Por outro lado, nem Deus se deixa colocar numa condição em que dependamos apenas do contato com Ele diretamente, já que o Seu segundo mandamento é que amemos ao próximos, nos relacionando com o outro de modo amoroso, respeitoso e digno. Isso pra mim quer dizer que, no tempo certo, até Deus abre um novo espacinho no coração da pessoa para que alguém faça parte desse coração através da presença Dele, criando laços, vínculos e caminhadas comuns, em que aprendemos e ensinamos, choramos e sorrimos, enfrentamos dias de sol e de chuva, com a confiança de que não estamos sós, e que a vitória (porque Ele é quem conduz) é garantida.
Isso me faz pensar: por que alguns pensam que simplesmente não precisam ou dependem de ninguém? Entendo pessoas que não conhecem ao Senhor com esse pensamento, e ele é um tremendo engano colocado pelo diabo para que as pessoas, sozinhas, sejam presas fáceis e pereçam mais rapidamente. Mas, por que nós cristãos ainda temos dificuldade de entender que, mesmo quando não gostamos de tudo no outro, precisamos procurar olhá-lo da maneira como Deus o vê, vendo seu valor e admitindo que até o que incomoda é necessário para que amadureçamos, e que Deus não erra e não coloca pessoas ao nosso redor por acaso e sem propósito?
Desde pequena, o conceito de dependência me incomodava profundamente, e me fazia ver que alguém dependente é alguém fraco. Hoje, vejo que continuo vendo desta forma, mas que isso não invalida o fato de que somos mesmo fracos se comparados com Deus, e portanto não é vergonha nenhuma dependermos de Alguém que sabe e pode muito mais do que nós. O que não faz sentido é depender de outras pessoas, porque sendo iguais a nós, também falham e não podem suportar o peso de serem suporte de um outro alguém por muito tempo.
Por outro lado, a independência também não faz sentido, já que fomos feitos para nos relacionarmos. Um ser que simplesmente não segue líderes e não tem liderados é alguém que não aprendeu ainda a se relacionar, e portanto está se condenando a uma vida de mesmice e morte, afinal, água parada apodrece, e toda vida precisa se mover. Assim, a relação com o próximo precisa ser de interdependência. Uma relação saudável em que eu dependo de você para algo, e você depende de mim para outro algo, mas nos colocamos nessa posição de dependência mútua porque primeiro dependemos de Deus, e Ele abriu esse espaço em nossos corações para que um existisse na vida do outro. Isso funciona, e não só por um período, mas por toda uma vida, inclusive para quem não tem consciência de que Deus é Supremo, porque Seus princípios espirituais não valem apenas para quem crê, mas para todo ser debaixo desse sol.
Ontem eu ouvi algo de uma pessoa com quem estou começando a conviver nesse país estrangeiro em que vivo que me deixou completamente emocionada. Muito provavelmente essa pessoa nem saiba o quanto ouvir aquilo foi importante para mim, não tanto por causa dela, mas principalmente porque sinto que esse é o meu objetivo de vida desde que entendi a benção da interdependência. Essa pessoa me disse que desde que cheguei nesse país, ela se sente mais em casa. E para mim, interdependência é isso: ter alguém que te faça se sentir em casa, mesmo que não tenha sido dita nenhuma palavra.
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