sexta-feira, 8 de março de 2019

O guia cego

Não sei bem dizer como, mas num dado momento da minha vida comecei a confundir milagre com estilo de vida. Aliás, passei a confundir também fé nas promessas com imprudência e inconsequência. Passei também a confundir ser cristão com querer ser mártir ou mesmo ser fonte quando se é apenas parte de um rio.
Talvez isso tenha acontecido por causa das circunstâncias nas quais fui criada, ou pelo fato de me recordar da voz do meu pai me dizendo no dia em que disse a ele que eu estava me separando a seguinte frase "agora você vai entender o que é ter que dar até aquilo que você mesma não tem"... talvez seja porque eu ouvi por anos e anos que todo cristão foi chamado para cumprir o propósito de Deus, ou porque embora critiquemos Marta, e nos declaremos Maria, nos dedicamos muito mais às atividades do dia a dia do que efetivamente ao se relacionar (e assim ser alguém para um outro ser, que será também um alguém para você). Não sei mesmo dizer como, mas o fato é que aconteceu... e eu demorei bastante para enxergar essa situação.
A Biblia, até onde eu sei, fala que sem fé é impossível agradar à Deus (Hebreus 11:6), mas fala também que devemos medir o tamanho da torre antes de começarmos a construí-la (Lucas 14:28-30). Isso quer dizer então que ter fé não é crer que Deus resolverá qualquer coisa que você decida simplesmente fazer (seja ela certa ou não, embora obviamente a Graça nos cubra e cuide de nós), mas sim que ter fé é crer que quando uma determinada ideia nasce no coração de Deus (e sendo assim, ela é coerente com a Palavra, e traz uma experiência para nós pessoalmente de aumento de intimidade com o Senhor), os recursos que Ele nos deu são aqueles que precisamos usar para começar essa iniciativa, e que Ele nos proverá no caso de alguma coisa parecer que não está como desenhamos inicialmente (sim, erramos em planejar, mas Ele está acostumado com isso com certeza, e todo projeto Dele conta com os nossos eventuais desvios de rota). Acredito ainda que para começar a fazer algo você precisa estar sim capacitado para aquilo, e sim, parte é uma capacitação natural, parte é espiritual. Ou seja, você não constrói uma torre sem ter braços e pernas, ou não começa sem ter alguém para ajudar, e mesmo que não estejam disponíveis no momento todos os recursos, você tem ideia de por onde eles virão durante a construção, a fim de procurar garantir que a construção seja bem sucedida e chegue ao fim no tempo previsto (ou o mais próximo disso).
Por que estou falando destas coisas todas? Porque percebi que, por tercerizar muitas coisas na minha vida para Deus, eu acabei não me responsabilizando por cuidar de certos aspectos da minha vida que na verdade Ele já tinha me capacitado para fazer, e aí, acabei vivendo literalmente na necessidade de experimentar milagres que me mantivessem ou me salvassem por muito tempo.
Todo cristão foi chamado para ir por todo o mundo e testemunhar do Evangelho à toda criatura (Atos 1:8), certo? Então, testemunhar não é fazer nada além de assistir o que Ele já fez e contar as Boas Novas que trazem esperança. Na prática, um testemunho é contar algo que você viveu ou que você viu acontecer na vida de outro, mas definitivamente não é viver de teorias e promessas, e sim de retransmitir a sua fé através das histórias que você vive com Ele. Na verdade, testemunhar não tem nada a ver com o que fazemos, mas sim com sermos provas vivas do que Ele é em nós. Ou seja, um cristão que testemunha ou prega algo que não viveu não parece uma coisa muito esquisita para você? Para mim não parecia, até que algumas fichas começaram a cair.
Eu insisto com as minhas amigas para elas irem ao médico, mas se eu mesma não vou, como posso insistir que aquela prática funciona bem e traz resultados positivos? Lemos na Biblia que Deus é um Pai amoroso, de provisão, mas como eu posso falar isso para outros se sobra mês no fim do meu salário? E isso não tem a ver com o que Deus é ou não, porque Ele certamente É bom e É O Pai amoroso e de provisão, mas o meu estilo de vida dá um testemunho diverso dos meus lábios... e isso acontece porque eu não tomo conta daquilo que Ele me dá, uso de modo imprudente (com a desculpa de que vivo em fé) e acabo precisando de milagres sempre. E mesmo que Ele sempre me salve, essa não é uma vida que se pode chamar de abundante, não é mesmo? E a responsabilidade aqui não é de mais ninguém senão minha mesmo.
Como resolver isso? Bom, para começar, preciso priorizar as coisas de outro modo. Parece óbvio mas até o momento não foi: "em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão à sua frente. Puxe uma delas, ajuste o elástico sobre a cabeça e o rosto e respire normalmente. Caso tenha ao seu lado um menor ou alguém em dificuldades, ajude-o somente depois de ter ajustado a sua máscara em você". Nossa... mas isso soa tão egoísta não? Então peguemos um argumento mais... bíblico: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. A estes dois mandamentos estão sujeitos toda a Lei e os Profetas" (Mateus 22:39-40 - Palavras do próprio Jesus). Portanto, não podemos dar algo que simplesmente não temos, e tentar fazer isso não é fé, é simplesmente loucura.
"Deixai-os! Eles são guias cegos guiando cegos. Se um cego conduzir outro cego, ambos cairão no buraco" disse Jesus (como nos conta Mateus no capítulo 15) aos Seus discípulos quando estes falaram sobre os escribas e os fariseus que se ofendiam com a contracultura do amor que Jesus pregava. Aliás, Jesus falou isso sobre exatamente aqueles que pregavam algo que eles mesmos não viviam, e os chamou de hipócritas. Quão grande é a minha pretensão ao procurar ajudar alguém quando eu mesma não estou praticando o que digo? Quão grande é a minha cegueira quando acho que só falar de teorias vai mudar a vida de alguém?
Obviamente isso não significa que então só podemos nos propor a ajudar o outro em certo sentido quando nós mesmos temos a solução do problema, porque se for assim, nos fecharemos nas nossas vidas e nos tornamos mais distantes ainda do que Jesus ordenou: na falsa pretensão de nos amarmos para poder amar o próximo, acabamos nos idolatrando quando nos fechamos em nós mesmos, e com isso, não amamos ninguém, e nos distanciamos de Deus, A Fonte de vida, e morremos.
Na minha vida, isso significa atualmente uma mudança interessante, que envolve me desprender das diversas ocupações que eu criei com outros para ter tempo neste momento para mim, de modo que eu possa realmente encarar de frente o que preciso mudar e, em oração e com todo o meu coração, eu possa me posicionar para enfrentar esse gigante e, dependendo de Deus, da capacidade que Ele me deu e do amor que eu sei que Ele tem por mim, supero todos os desafios deste mundo, como Jesus mencionou em João 16:33 ("Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo"). E depois de cada desafio enfrentado (mesmo que ainda no processo de conquista), posso conduzir alguém a sair do mesmo buraco que estive, assim como provavelmente alguém, usado por Deus, me ajudou para que eu saísse de lá também. E com isso, sou automaticamente testemunha de Jesus, vivo em intimidade com Deus, e cumpro o meu propósito (que é de espalhar as Boas Novas à toda criatura). E que a cegueira seja trocada pela Luz do Mundo nos meus olhos, e nos de quem o meu olhar cruzar.

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