Hoje eu passei mais da metade do meu dia de trabalho no consulado brasileiro para renovar o meu passaporte. Na verdade, eu cheguei às dez da manhã (meu agendamento era às 10:30) para evitar atrasos e acabei saindo de lá quase às três da tarde. E durante esse tempo, muitos contratempos, mas mais do que isso, muita reflexão.
Quando eu cheguei, a minha intenção era ser o mais eficiente e breve possível, até porque eu pensei que teria que voltar um outro dia para pegar o documento pronto. Claro, isso para mim era evidente porque no Brasil, quando eu emiti o passaporte anterior, o órgão emissor manda um e-mail avisando que o documento está pronto e que pode ser retirado (a propósito, esse serviço funciona super bem lá e merece todos os elogios, não só no agendamento quanto na execução e na entrega). Ou seja, fazia sentido para mim que esse seria um assunto resolvido em duas etapas. Fora disso, eu tinha planejado usar menos da metade da parte da manhã, porque a ideia era ir ao escritório e fazer o meu trabalho normalmente, o que aconteceu praticamente por duas horas apenas.
Por que tudo isso é relevante? Porque cheguei com uma postura e um pensamento, que era: se eu for organizada e preparada o suficiente, resolvo logo e sigo a vida. Mas, não foi assim...
Chegando lá, a primeira coisa que acontece é entrar em uma fila que só ali se gasta cerca de dez minutos para ser atendido. Hoje demorou mais porque tinha uma mulher que esbravejava e gritava que o funcionário não queria cumprir o seu trabalho, já que ela não conseguia agendar um dia para emitir um passaporte novo que ela precisava porque comprou a passagem e vai embarcar em menos de dez dias para o Brasil. E me vieram os primeiros três pensamentos... o primeiro foi de desaprovação, lembrando que tem gente que realmente acha que o mundo gira em torno de si, e que acha que pode exigir que as coisas aconteçam como elas esperam e no tempo que elas querem... depois, um misto de tristeza e alegria porque me lembrei da minha filha dizendo quantas vezes ela passou vergonha comigo na adolescência porque eu costumava ser como aquela mulher, e agia como se o mundo girasse em torno do meu umbigo... e o terceiro pensamento (talvez o pior de todos) foi de autoaprovação, já que eu tinha a convicção de que estava com tudo pronto e feito, de modo que não teria nenhum motivo para agir daquele jeito agressivo e deselegante que a moça tinha decidido agir (e sim, acho que foi o pior porque eu olhei para ela com uma superioridade momentânea que sinceramente me envergonha).
Esperei, esperei e em algum momento chegou a minha vez, e a pessoa me disse que eu precisaria preencher um formulário que eu não tinha visto no site que deveria ser preenchido... e logo me veio um misto de raiva (por mim, porque não preenchi) e de vergonha (pelo meu julgamento), mas também me veio uma boa dose de incômodo, porque a funcionária, que já estava bastante agitada pela quantidade de pessoas que estavam ali meio impacientes, começou a me dizer que eu teria que entrar na fila de novo pra começar tudo outra vez... irritação à parte, ela tinha razão, e eu fui então para o computador preencher a tal ficha (que por sinal, só faltou me pedir o meu tipo sanguíneo, porque o restante...). Meia hora depois, volto para a fila e sou atendida por um outro funcionário bastante irritado e nervoso por causa das pessoas que tinham passado por ali primeiro, começou a me tratar de modo rude, reclamando que eu não tinha feito a minha parte e que não era obrigação dele ter paciência e explicar mil vezes as coisas às pessoas que vão ali (desta vez porque tentei argumentar que a foto que eu tinha levado seria absolutamente idêntica à qualquer outra que eu fizesse hoje, mesmo tendo sido feita há dois anos atrás, e ele se ofendeu)... e eu me lembrei da moça (e de quem eu fui um dia) e comecei a tentar mostrar para ele que entendo a situação (afinal, eu também trabalho com o público e sei que não é simples), mas que infelizmente é assim mesmo, e tentei argumentar para que ele ao menos ficasse mais calmo... não funcionou muito bem mas pelo menos ele passou para a responsável a análise e eu fui esperar mais um pouco.
Àquela altura, eu já estava me questionando o quanto eu realmente queria esse documento (e na verdade, eu não queria, mas por causa de um outro que eu realmente preciso e que exige o passaporte válido para a sua emissão, eu estava ali) e me veio então aquele senso de determinação, me lembrando do objetivo final, e me fazendo pensar que não posso desistir só porque alguma coisa me irrita. E lá fiquei eu, sentada, esperando e esperando. Em um dado momento, uma senhora me chama, mas pelo sobrenome errado (e eu atendi por instinto, mas chegando lá fiquei com medo de que emitissem o meu documento com um nome que não é o meu, o que seria um problema ainda maior) e me diz que a foto realmente não seria aceita. Ela, no caso, estava calma, e foi muito simpática, e me deu a opção de sair e ir até a estação de metrô para fazer novas fotos e voltar sem pegar filas. A má notícia é que ela me contou que o documento custaria o triplo do que eu tinha me programado para pagar... mas enfim, procurei recuperar a respiração e lá fui eu fazer a foto.
No caminho, liguei para meu namorado e quando comecei a me lamentar, lembrei que esse tipo de atitude só piora as coisas, e encerrei meu lamento em trinta segundos. Naquele ponto da coisa, eu já estava começando a me cansar daquilo tudo, mas já não valia mais a pena me irritar, e comecei a pensar que seria muito importante levar daquela experiência algum bom aprendizado.
Voltei com as fotos e as entreguei para a senhora. E ela me disse então que eu deveria esperar que me chamassem pelo nome. E eu esperei, esperei e esperei... num dado momento, voltei ao balcão para falar com o moço irritado, e pedi gentilmente uma previsão para passar no trabalho, já que pelo menos assim não daria a impressão de que eu desisti de ir ao escritório hoje, e ele me respondeu que o consulado fecha as portas às duas da tarde, então, no limite, eu sairia quando eles fechassem e terminassem tudo.
Confesso que naquele momento eu fiquei muito triste e desanimada, pensando porque mesmo que a gente precisa de tanta burocracia, e sinceramente me lamentando de algo que, no fim das contas, percebi como era vazio. Afinal de contas, por que mesmo eu estava triste? Eu sou amada de Deus, saudável, tenho uma boa família, amigos preciosos, um namorado incrível, um trabalho que me permite ir ao consulado resolver essa questão e no momento até dinheiro para pagar a quantia exorbitante que me pediram no passaporte... que por sinal, é um documento feito para quem está saindo ou está fora do seu país de origem, e isso por si só é um enorme privilégio (quantas pessoas que eu conheço gostariam de conhecer outros lugares e nunca tiveram nem ao menos uma oportunidade de fazê-lo?). Lembrei e sorri e agradeci ao moço irritado, que neste momento me consolou dizendo que pelo menos eu não precisaria voltar de tarde, já que a entrega do passaporte costuma ser depois da uma da tarde e eu já estaria ali. E então, eu entendi que sairia dali com o documento em mãos, e dentro de mim, tudo mudou, porque então eu não precisaria mais voltar num outro dia, correr o risco de ter que encarar pelo menos mais duas filas gigantes para pegar aquele documento que já tinha dado tanto trabalho para eu conseguir renovar. Foi sinceramente um alívio!
Pausa na narração do consulado: quantas vezes aconteceu de, no início de uma situação, você fazer uma avaliação da coisa toda e considerar que tudo aquilo custaria mais esforço e mais tempo do que de fato custou ao final? Quantas vezes, já de início, a gente se desespera quando sabe que precisa encarar alguma coisa que deve ser feita só porque ela é muito chata, ou porque ela tem muita chance de ser muito mais trabalhosa do que realmente acaba sendo no final (mas naquele momento você ainda não sabe e se desanima só de pensar nas possibilidades)? Bom, se você é uma pessoa despreocupada e que consegue focar só no passo atual, parabéns, eu quero ser como você quando crescer! A Bíblia fala que basta a cada dia o seu próprio mal, e eu diria que isso vale para cada instante ou circunstância, mas digo também que viver isso nem sempre tem sido tão simples para mim e eu preciso que o Espírito Santo realmente me ajude a mudar essa mentalidade.
Aquela notícia de que eu sairia com o meu documento na mão hoje me fez ver que não ter todo o entendimento do processo não significa necessariamente que ele vai ser pior, mais doloroso ou mais complicado do que eu previa, e isso me trouxe alívio e esperança. Aquela notícia me lembrou que na verdade a gente não controla nada, e que realmente tudo isso é passageiro, e que o que importa mesmo é o que deixamos na vida de quem nos rodeia, inclusive aqueles que estão perto apenas por algumas (ou muitas, como no caso do consulado) horas.
Para concluir a narrativa, saí de lá tarde, mas tive inclusive quase meia hora de liberação deles para almoçar, já que eu teria que esperar a confecção do documento. Saí também tendo a oportunidade de, conforme foi desenrolando o atendimento, entender que todos que trabalham ali estão exaustos porque há mais de duas semanas os sistemas funcionam muito lentamente, e isso irrita a todos os que precisam de serviços do consulado, e os funcionários (que são considerados lerdos e incompetentes, mas muito pelo contrário, só querem fazer um bom trabalho) são obrigados a encarar pessoas impacientes e que acabam se comportando mal no momento da espera e da demora, sem se importar com o que de fato está acontecendo.
Depois que eu me permiti acalmar e tentei me colocar no lugar dos funcionários, aos poucos, as coisas foram melhorando, e por fim, saí conhecendo os funcionários, rindo com eles, e batendo até bastante papo com o pessoal que esperava, e na hora de ir embora, cumprimentei quase um terço do povo que estava ali, e saí me sentindo a pessoa mais bem relacionada do mundo (ok, é um tremendo exagero, mas saí de lá mesmo muito feliz). E mais uma vez pude perceber como uma simples atitude pode mudar a nossa perspectiva de uma situação e certamente nos fará mais amorosos e mais cientes de que, na vida, o importante não são as coisas ou as atividades, e sim as pessoas com as quais interagimos quando temos que passar por cada obstáculo. No fim, eu fiquei feliz e valeu o dia!
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