sexta-feira, 5 de julho de 2019

Afrontas sutis

Engraçado como certas afrontas são tão sutis que a gente nem percebe elas de imediato (às vezes inclusive demora bastante para cair a ficha). No meu caso de hoje, até que foi rápido de entender, mas eu fico me perguntando o quanto eu já aceitei de afrontas sem ao menos me dar conta de que aquilo não fazia o menor sentido...
Ontem eu fui no escritório aqui na França responsável por me orientar sobre o meu número de seguro social. Para contextualizar, esse número é essencial não só para atendimento médico, mas para muitas outras coisas. Ele tem a mesma importância, por exemplo, que o CPF para um brasileiro em território nacional. Por conta disso, eu decidi então correr atrás desse documento que, dizem, um europeu não francês em teoria não precisaria ter, mas o fiz porque, morando na França, quero viver como uma cidadã comum, e portanto, preciso daquilo que qualquer cidadão precisaria.
Enfim, eu pesquisei primeiro na internet, e vi que precisaria achar um escritório específico para isso. Olhando ainda, eu vi quais eram os documentos necessários, e de verdade, até tinha entendido que eu precisaria de um documento que no fim não será necessário. Ou seja, o que eu vou precisar já tenho em mãos e o processo, em teoria, seria simples. De qualquer modo, eu decidi me programar para ir atrás dessa informação na próxima semana, quando eu vi praticamente do lado da minha casa uma placa que me sugeria que tinha uma equipe que poderia me ajudar. Eu então entrei na internet, pesquisei quais eram os serviços prestados, e lá fui eu no local. Cheguei, conversei com o rapaz simpático da recepção, que me agendou um horário três dias depois (ou seja, ontem). E ontem lá fui eu confiante de que a coisa andaria bem.
Ontem cheguei lá no horário, com os documentos que preciso, e a moça que me atendeu foi super simpática. Ela me perguntou desde quando estou aqui, e porque eu tinha me decidido vir morar na França, e conversamos e ela pegou os meus documentos e viu que eles são italianos. Começou a pesquisar no seu próprio sistema e, em seguida, me disse que meu caso é especial, porque foge da regra, e que a França não concede esse número de seguro social antes dos três primeiros meses completados de residência. Isso porque, de acordo com ela, esse é o período em que a pessoa "sente" como será a sua vida na França e decide se vai ficar ou não. Naquela hora, eu achei estranho e fiquei pensando quantas pessoas na prática fazer toda uma mudança de vida para ir a outro país e, em três meses, voltam com tudo para trás (concluí que seriam pouquíssimas e que o risco operacional deles é muito baixo), mas enfim, aceitei o argumento, pedi algumas dicas (que ela sorrindo me passou e até anotou gentilmente em um papel para mim, incluindo endereços de como resolver a coisa toda mais para frente e do que eu poderia fazer até lá), e me disse ainda ao final para não desistir, porque a minha história é muito motivadora!
Na hora eu saí de lá super contente, afinal de contas, a moça foi só elogios e me ajudou com várias dicas... na verdade, ela ainda me disse que meu francês é muito bom considerando o tempo que eu tenho de contato com a cultura e a lingua francesas... enfim, mais acolhedora impossível.
Mas, conversando depois com o meu namorado, ele demonstrou toda a indignação dele com a ligeiríssima sabonetada que ela me deu. Explico: ela estava, de modo elegante, passando o problema para outra pessoa. Eu achei engraçado, mas como ainda tinha ficado muito contente com a conversa lá em si, deixei de lado. Mas, aquele lance do "tempo de sentir a França" ficou me incomodando, só que o dia foi passando e eu esqueci o assunto.
Hoje, fazendo umas coisas e conversando com uma amiga sobre outro lance, me caiu a ficha: como assim, "sentir" a França? Que maluquice é essa? Eu não como diz em Hebreus 10:38 e 39, eu vivo pela fé, e não retrocedo nisso. Ou seja, eu creio que foi Deus quem me conduziu para esta nova etapa, neste novo país, e não preciso "sentir a França" para decidir criar uma vida digna e bem sucedida aqui. O que preciso é me apropriar do que eu creio e que já me alimentou, e já me trouxe até aqui, que é o Amor de Deus por mim. É Ele quem me sustenta, é Ele quem me leva adiante, é Ele quem me guarda e quem tem o poder de definir o melhor caminho para mim. Eu não sou dos que retrocedem e não saio daqui enquanto não for o tempo definido por Ele!
Por sinal, parando para pensar, eu já ouvi isso outras vezes, mas deixei de lado no fundinho do meu coração me assombrando... e depois deixei de lado também. Então, neste momento, me lembrando disso, eu declaro que eu decido queimar essa ponte, e que não tem essa de voltar atrás: a minha casa é aqui, a minha vida é aqui e é aqui que as coisas vão ser cada vez melhores e mais profundas em Deus para mim. Assim eu decido, assim eu creio, assim eu vou seguir.
E quanto à essas afrontas sutis, eu faço como fazer os super heróis em filmes de ficção quando descobrem que o inimigo é invisível: eu jogo um balde de tinta bem colorida nele, para que nunca mais ele tenha acesso à mim por não estar visível, e diante dele me posiciono com firmeza, e sigo em frente, rumo à vitória.

Nenhum comentário:

Postar um comentário