sábado, 31 de março de 2018

Venha calçar meus sapatos

É tão fácil a gente concluir as coisas dos outros com o nosso próprio olhar... quantas vezes a gente olha uma coisa e avalia da nossa perspectiva, como se ela fosse a única e principal, e acaba tomando a decisão que parece mais lógica mas na verdade, pode ser a mais complicada com o passar dos tempos.
Nos últimos dias, vivendo o outro lado da mesma velha questão, vi como é tão simples olhar da nossa perspectiva e criticar o outro, mas, por outro lado, como dói calçar um sapato que não era o seu...
Eu cresci como a menina dos pais separados, e meu pai teve, ao longo desses anos, alguns relacionamentos. O último (que é o atual) já perdura por mais de 15 anos, e de longe é o que mais temos dificuldades de entender, mas é o que parece que tem dado mais certo. Claro, provavelmente porque simplesmente ele tem entendido que se relacionar é abrir mão de muitas coisas em prol dessa entidade maior chamada "relacionamento".
Então, pra mim era fácil entender o impacto de uma determinada decisão de um adulto em seu filho ou filha. Pra mim, além do pensamento da época, da perspectiva de criança, fica também a reflexão dos desdobramentos daquilo e do que colhi por conta de como me senti e de como entendi as coisas. Mas, pra mim, nunca foi óbvio entender como é que a pessoa do outro lado se sentia.
Depois, eu fui a mãe divorciada, e com esse papel também entendi como é complicado não ter com quem contar em muitas situações em relação à minha filha, já que muitas coisas eu acabei assumindo por completo simplesmente porque não conseguia contar com o pai dela, que ao início da separação deixou claro que, além do marido que eu não teria mais, não estaria ali também o pai que a minha filha precisava. Por causa dessa afirmação, eu tomei decisões e segui em frente calçando novos sapatos, e dessa vez entendi tantas mulheres ao meu redor, me reconciliando com a imagem que fazia delas quando criança, simplesmente porque na perspectiva infantil não cabia essa visão que estava tendo ali. Mas ainda tinha um lado que permaneceu incompreendido por tantos e tantos anos... e assim foi, até agora pelo menos.
Comecei a me relacionar então com um homem que tem duas filhas crianças. Esse é um cenário novo para mim, até porque, eu tenho ao meu lado um homem (e não um menino) que é pai (e se recusa em ser apenas um "tio" ou alguém que ajudou a colocar no mundo duas crianças e acha que já cumpriu o seu papel). Então, convivendo com esse ser raro, comecei a perceber como é difícil esse lado do contexto: o do homem. E através de decisões que estamos tendo que tomar juntos, vejo como é complicado também para o homem decidir o correto, saber escolher o que é melhor para todas as mulheres que estão ao seu redor.
Mas... e a nova mulher do papai? Essa para mim ainda era uma incógnita, e agora eu estou me tornando essa pessoa, que eu nunca entendi, e sempre tive tanta facilidade de condenar, de julgar, de reclamar e de rotular como "chiliques" certas reações legítimas de dificuldades com a situação e com o lidar com o próprio ego e passado.
Hoje eu tive que fazer uma escolha em prol do grupo (leia-se: o pai e suas filhas) e não foi fácil. Eu senti o que provavelmente essa mulher (ou essas, no caso do meu pai) sentiram tantas vezes e não tiveram condição de escolher melhor, seja porque não estavam seguras do que tinham no relacionamento, seja porque não foram permitidas, seja simplesmente porque não conseguiram enxergar a coisa por outro angulo. O fato é que, hoje, meus pés doeram quando eu decidi calçar esses sapatos.
Ao final do dia, sou grata pela oportunidade de entender e sentir como é difícil para alguém que chega nova em um contexto ouvir coisas como "tempo em família" sendo que isso não te inclui, ou "rotina da casa" sendo que você não mora ali. Entendo como é desconfortável toda vez que esse homem precisa entrar na casa da ex pra fazer o papel que honrosamente ele decidiu continuar cumprindo. Entendi ainda como é complicado deixar de lado o seu sentimento, o seu ego e até o seu senso de merecimento em prol de duas vidinhas que nem sabem que eu existo, e talvez nunca saberão o quanto eu as estou amando no momento. Sim, amando, porque eu sei o quanto essa decisão de deixar esse homem continuar a ser o pai que elas precisam fará a vida delas melhor e mais simples no futuro. E sim, amar porque, mesmo não as conhecendo, eu escolho o melhor para elas, deixando de lado o meu conforto momentâneo. Escolho usar essa nova oportunidade também para me redimir com o meu "eu" do passado e com esses "personagens" do meu passado: o meu pai, a minha mãe, eu mesma (como ex-mulher e mãe) e também com essa tão desconhecida até aqui, a "nova mulher do papai". Aliás, a ela, deixo aqui toda a minha gratidão, tendo ela conseguido ou não tomar as melhores decisões pensando em mim, porque hoje eu sei que, independente do que ela tenha decidido, ela fez o seu melhor, e eu sei o quanto custou a ela dar o seu melhor a alguém que ela nem sabia quem era e nem tinha mesmo que saber.
A ela, hoje, eu deixo a minha admiração e a minha solidariedade. A ela, deixo o meu abraço apertado, já que as palavras não podem expressar o que sinto quando penso quantas vezes eu não consegui me propor a vestir os seus sapatos, achando que dos meus eu entendia suficientemente bem o que acontecia... a ela, o meu mais sincero e profundo "muito obrigada".

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