terça-feira, 10 de abril de 2018

Desejo de ser dois x mentalidade de ser um só

Desde sempre eu, como filha única da minha mãe, vivi uma vida em sua grande parte, vivida pra mim mesma ou centrada no que eu pensava, no que eu queria, no que eu gostava e no que eu considerava justo (para os outros e para mim mesma). Mesmo tendo duas irmãs mais velhas por parte do meu pai, por não termos vivido na mesma casa, e por elas serem um pouco mais velhas do que eu (a mais próxima de mim tem cinco anos a mais, o que agora não muda em nada, mas na infância, dependendo da fase, é mais do que o dobro, e faz toda a diferença), eu acabei mesmo tendo uma vida em que de algum modo a casa e a rotina giravam em torno de mim.
Isso foi assim até os meus dezenove anos, quando engravidei. Bom, na verdade, o que mudou foi mesmo o estado civil (me casei), os papéis (de filha única me tornei esposa e mãe), mas a mentalidade, infelizmente não mudou. E eu não me dei conta disso. Aliás, eu nem sabia que eu pensava assim, e por isso acabei vivendo anos de muito sofrimento (para mim e para quem estava ao meu redor).
Com o passar do tempo, claro que as coisas não andavam: embora todo relacionamento tenha as suas agruras e dificuldades, e todo casal tenha as suas dificuldades de adaptação, éramos na prática uma filha única e um garoto sem pai (o que definitivamente não nos habilitava de nenhum modo para uma vida a dois) e isso trouxe muitos efeitos, inclusive para a nossa filha, que hoje graças a Deus vejo que tem tido novas oportunidades e aprendizados, e aos poucos tem amadurecido.
O fato é que eu só me dei conta dessa minha condição e dessa mentalidade que era o meu fundamento anos e anos depois. Na realidade, faz até que bem pouco tempo que me dei conta de certas coisas. Acho que a primeira dose de realidade foi há cinco anos atrás, mas até agora parece que ainda tem algumas coisas que eu vejo que podem ser melhoradas.
Por exemplo: hoje, conversando com um moço que me contou que deixou sua ex-noiva porque ela era muito independente, comecei a refletir sobre algumas coisas (em voz alta), entre elas em como somos ensinados a sermos individualistas. Parece uma coisa boba, mas por exemplo, eu mesma ouvi milhares de vezes o tal chavão do "cada um por si e Deus por todos", e outras coisas do gênero que parecem brincadeira mas que, no fundo, nos trazem princípios sutilmente inseridos em nós e cristalizados nas nossas mentes com o passar do tempo. Mais do que isso: a gente nem percebe mesmo que vive assim.
Hoje, conversando com aquele moço, percebi como vivi um episódio recente que é uma mostra de uma mudança que parece simples, mas que no fim das contas é resultado de algo muito mais profundo: comida no prato.
Eu nunca dividi comida com ninguém. Quando eu pedia um prato em um restaurante, ou colocava comida no meu prato no almoço, eu jamais considerava a possibilidade de alguém querer comer uma parte daquela porção, uma vez que ela era minha, e tinha sido escolhida sob medida (pelo menos tentava que fosse assim) para a minha "necessidade nutricional" (ou para a minha gula mesmo) e não tinha nada que estivesse ali que não fosse para o meu consumo. Aliás, uma das coisas que mais me irritou na vida era sentar pra comer depois de preparar algo e ver minha mãe soltando a célebre frase "Posso beliscar um pedacinho?"... eu queria matar ou morrer!!! E claro, na maioria das vezes não dava o tal pedacinho, ou quando dava, o fazia contrariada. E isso foi assim a vida toda... até uns meses atrás.
O que mudou? Bom, comecei a namorar com um cara que conhece e vive muito mais esse paradigma de vida em comum do que eu, e ele tem alguns hábitos interessantes. Um deles é pedir um prato, comer a primeira garfada e colocar a segunda na minha boca para que eu possa compartilhar com ele da mesma experiência culinária que ele está vivenciando. Como ele faz isso porque ele é assim e isso é muito dele, nunca me ocorreu dizer que eu não queria, mas por outro lado aquele ato tão simples, espontâneo e cheio de verdade me fez querer, automaticamente, repetir a ação. E assim fazemos: eu também divido com ele o meu prato e comemos juntos as coisas. E isso me fez sentir o quanto é legal compartilhar certas coisas que eu jamais tinha compartilhado antes... tanto que no sábado passado eu fui a primeira a oferecer uma garfada do meu prato para a minha mãe, sem cara feia, sem irritação, e por livre e espontânea vontade, e foi legal.
E hoje, conversando com aquele moço, me dei conta de que é nas pequenas coisas que vemos o quanto estamos preparados ou não pra viver o que declaramos que queremos. É nas pequenas coisas que nos denunciamos (para o bem e para o mal) pra nós mesmos e para o outro e é ali que podemos aprender as maiores lições e tomar as decisões mais transformadoras das nossas vidas.
Por fim, entendi o quanto é bom ver essa mudança de mentalidade em mim, e ao mesmo tempo o quanto é bom saber que, mesmo com pequenos atos, podemos sim expressar valores essenciais e com isso testemunhar de valores do evangelho de Cristo e impactar vidas. As vezes, é necessária uma pregação; as vezes, basta apenas uma refeição... ou apenas uma garfada!

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