Um tempo atrás, ouvi uma pregação sobre como é que um cristão deveria testemunhar. Aliás, "ouvir" não é bem o termo adequado, visto que assisti o culto metade em francês (idioma que entendo parcialmente) e metade em inglês (mas sendo a segunda metade, de fato, me parecia claro que o entendimento inicial me faltaria pra contextualizar a coisa como um todo).
O fato é que eu me lembro que o pastor falava sobre três pontos principais da ação de testemunhar, e se não me falha a memória, eram:
1) Não é tarefa do cristão converter ninguém; isso é tarefa do Espírito Santo. Portanto, o cristão não deveria achar que é ele quem vai trazer alguém pra Cristo ou não;
2) Por outro lado, de fato, não adianta não falar do que Cristo é para você ou é em sua vida. Se algo acontece, é importante falar, mas especialmente pra quem não O conhece ainda. Quantos amigos que não conhecem Jesus você tem hoje em dia?
3) Saber a hora de falar é importante sim, mas mais importante do que falar é ter uma vida vivida com Deus. Discurso não baseado na atitude e numa realidade de vida se torna um discurso vazio que não ajuda a ninguém; aliás, atrapalha.
O que me chamou atenção nessa pregação foi o exemplo de testemunho perfeito que o pastor usou: ele falou sobre o perfume. Na explicação dele, quando uma pessoa usa um perfume, existe sempre uma medida: se a pessoa passar pouco, ninguém nota (ou passa rápido); se passar muito, incomoda e acaba afastando o outro; mas se o perfume for usado na medida certa, quando a pessoa se aproximar do perfumado, terá uma sensação agradável ao estar perto.
O exemplo em si pareceu ótimo, e teoricamente fazia muito sentido, mas na prática, era um problema para mim: eu não sinto cheiros. Então, como transportar isso pra algo que eu simplesmente conseguiria compreender (não só com a mente, mas com uma vivência prática)? Eu tentei pensar em algo que me ajudasse a transportar para a vida prática mas honestamente nada me ocorreu.
Acabando a pregação, fui almoçar com o meu namorado que me levou ao culto. Porque gostamos de comida japonesa, decidimos comer em um restaurante muito simpático ali perto, e escolhemos dois combinados de coisas que vinham basicamente com arroz, espetos de alguns tipos de carnes que escolhíamos e também umas verduras. E claro, o clássico molho shoyu sempre do lado, pra concluir a experiência gastronômica. Ou não?
Bom, sei que sou uma pessoa de ideias e hábitos estranhos, e desde o primeiro dia em que eu experimentei comer sushi, não fazia o menor sentido para mim colocar o tal do molho shoyu no peixe, porque na minha cabeça aquilo tiraria o gosto original da comida e portanto, não fazia sentido. Sendo assim, eu jamais usei esse molho pra temperar nada nesse tipo de culinária, e quando comia sushi, o fazia comendo somente o peixe e o arroz.
Mas, o meu amado, por sua vez, gosta mesmo das coisas mais diversas, e ele tem um hábito um tanto curioso: quando ele gosta muito de comer algo, ele separa uma porção e me faz provar. E nesse restaurante não foi diferente: ele pegou um pedaço de peixe, colocou junto com o arroz e meteu lá o molho shoyu, e quando eu vi, a porção já estava a caminho da minha boca... e sem reação, eu comi. E pra mim, essa foi uma experiência absolutamente chocante!
Bom, se para alguns, o sabor dessa combinação era obviamente o esperado, pra mim, foi uma verdadeira revelação: pra quem tinha comido peixe cru sem shoyu por doze anos, aquele sabor adicional fez com que, dali em diante, eu visse porque as pessoas que me viam comer a comida daquela forma simplesmente não entendiam porque eu não usava o shoyu na comida... Como o prato foi projetado pra ser comido com o molho, sem ele, o prato fica estranho, e simplesmente quase não tem sabor (aliás, é por isso que eu realmente não costumo comer arroz: acho uma coisa realmente insossa). E quando eu comi com o molho, percebi que estando no ponto certo, ele dá ao prato um sabor inexplicavelmente bom. Claro, se tiver só shoyu na mistura, não se sente o gosto do peixe, e isso não é bom. Mas sem molho até é possível comer, mas é isso: aquela coisa que não é exatamente saborosa...
E isso me fez entender na prática algumas coisas sobre o testemunho: além do shoyu ser o exemplo que eu precisava para entender a ilustração do pastor na pregação, fiquei pensando como raios eu consegui comer por doze anos aquela comida sem o shoyu... por outro lado, me lembrei das diversas vezes em que as pessoas me diziam que eu deveria mesmo colocar o shoyu, mas pra mim não tinha sentido... seja porque eu não via na expressão de algumas delas a diferença, seja porque eu via em outras delas um ar de julgamento, me olhando como se eu fosse completamente maluca só porque eu gostava de comer como eu comia...
Sim, embora elas tivessem razão (de fato eu estava perdendo toda a graça do prato), como as pessoas que me sugeriram a mudança não eram pessoas que tinham a minha confiança nesse nível, eu não considerei provar o que elas diziam. Outras, embora tivessem a minha confiança, porque me fizeram me sentir julgada, me afastaram do seu propósito inicial (que era me convencer de que tinha algo melhor). Por fim, sobrou meu amado, que sem perceber, mas tendo a minha confiança, e querendo compartilhar algo que na visão dele era sensacional, de repente, sem planos e de modo totalmente inesperado, me fez descobrir algo que era para ter sido o jeito original desde o início, mas que eu recusara até então.
Hoje, eu olho para a comida japonesa, e já não consigo mais comer sem o tal do molho shoyu. Do mesmo jeito que hoje eu olho a minha vida e não consigo mais imaginar ela sem Jesus. E embora eu veja poucos que comam sem molho, vejo infelizmente tantos sem Jesus... e isso é em parte culpa de quem O conhece (ou pelo menos se diz imitador Dele). E pior: resolver isso é tão simples... não exige nenhum esforço em termos de dialética, de didática, de argumentação ou de convencimento... basta apenas saber viver com Ele e aproveitar isso. Esse, de verdade, é o melhor e mais eficaz testemunho, o que verdadeiramente toca a vida de alguém, e o que faz o outro querer provar algo diferente. O que está fora disso, de verdade, é obra humana que é como palha: discurso vazio, argumentação que pode não ser barata, mas se assemelha a um castelo de cartas, que com o vento mais forte, cai por terra, deixando frustração, engano e tristeza ao invés da aparente beleza e estabilidades iniciais.
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