segunda-feira, 18 de junho de 2018

A voz humana... e os sonhos de Deus

"Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor.
Porque assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos." (Isaías 55:8-9)

Há umas duas semanas estou pesquisando aonde eu ia assistir ao primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo, com quem, como fazer para ir e voltar visto que era domingo de noite, e fiquei confabulando com um e outro sobre o assunto por dias. Apaixonada? Não. Mas definitivamente bastante interessada pelo Mundial, e de fato, como todo evento como esse, estava me organizando para que eu pudesse acompanhar as partidas desde o início da competição.
Porém, meus tios vieram à Italia nesse período, e claro, estão nestes dias aqui na cidade para nos visitar, e por conta disso, eu já tinha decidido que faria o que eles quisessem. Eu tinha muita convicção de que a minha tia não ia querer perder duas horas de passeio para assistir na TV um jogo de futebol (qualquer que fosse, nem mesmo a final); já o meu tio eu tinha sinceras dúvidas, então esperei que ele chegasse pra descobrir o que se passava na sua cabeça.
Nesse meio tempo, conversei com amigos, falei com o pastor e sugeri que o povo se reunisse para assistir o jogo aonde fazemos culto, e toda uma movimentação foi feita para procurar que todos tivessem meios de assistir ao jogo. E eu, como havia pensado, no dia em que meu tio chegou, perguntei pra ele como quem não quer nada o que ele gostaria de fazer sobre o assunto. Quando ele sinalizou o interesse (até mais forte do que eu esperava), então eu decidi que estaria com eles para assistir à partida, independente de onde fossemos. Mas, o que fazer com a minha tia? Bom, ela poderia estar com a minha mãe, já que ela também não liga muito para o Mundial e não se importaria de fazer uma outra coisa qualquer com ela. E na minha cabeça estava tudo organizado, até que...
Bom, voltando uns dias (semanas) no calendário, há meses temos um grupo para esta viagem, e falamos de passeios, de opções, de coisas a fazer ou não fazer, de voo de ida e de volta, hotel e etc. E numa dessas conversas, a minha tia expressa o desejo de conhecer o Teatro Alla Scala de Milano, que é o teatro mais famoso do mundo no quesito das óperas. E eu achei a ideia bem interessante, porém, como eu já tinha pesquisado no passado quanto custa um ingresso (em geral, não menos do que cento e cinquenta euros por pessoa) eu tinha desistido da ideia de tentar. Até que na semana passada, olhando sem compromisso as redes sociais, encontro um anúncio dizendo que no domingo de noite (exatamente no horário do jogo) teria um espetáculo naquele teatro cujos ingressos mais baratos custariam 5 euros. Na hora, fui no site e vi que tinha ainda ingressos à venda para o espetáculo e mandei a informação no grupo da viagem. E claro, a minha tia ficou animadíssima, porque o sonho dela era entrar no local, independente do que se pudesse assistir, mas obviamente vendo um espetáculo, a experiência seria ainda mais interessante.
Então, voltando ao dia anterior ao jogo (em que eles chegaram na cidade), ficamos no dilema: jogo ou teatro? E sim, na minha cabeça, isso estava resolvido, porque minha mãe a acompanharia com a outra tia e eu ficaria com os dois tios assistindo ao jogo em um canto qualquer.
No domingo então procuramos comprar o bilhete: além de algumas dificuldades para encontrar a bilheteria (achei que era em um lugar, me mandaram para outro que estava fechado, e lá seguimos para um terceiro, no qual nos sugeriram voltar ao segundo porque ali venderiam ingressos com mais desconto mais adiante), quando soubemos quanto custavam os ingressos, minha mãe anuncia que estava voltando para casa porque estava realmente muito cansada. E nesse momento, o meu jogo do Brasil começa a ir ladeira abaixo... mas ainda tinha a outra tia, que poderia ir sem problemas. E foi aí que resolvemos perguntar sobre as vestes necessárias para o evento, e a outra tia não podia entrar porque estava de bermudas. Então, eu olhei para a situação, olhei para a minha tia e disse que eu iria com ela e eles ficariam no restaurante mais próximo assistindo ao jogo. Quando acabasse nos encontraríamos de novo.
Lá fomos nós então, ela comprou os dois ingressos e eu fui feliz, não só porque eu mesma tinha a curiosidade de entrar no Teatro, mas também porque eu vi que ela estava bem contente, e isso me animou bastante. Pra falar a verdade, eu nem sabia o que ia acontecer (nem vimos qual era o espetáculo, e como não era uma pessoa conhecida nossa, de verdade, não demos grande atenção ao programa da noite). Mas, lá fomos nós, felizes porque estávamos no teatro de ópera mais famoso do mundo.
O espetáculo começou e a soprano (que canta sozinha, acompanhada do piano apenas) era realmente muito boa. Vestido lindo, voz potente, acústica do teatro incrível, uma boa combinação para que minha tia saísse feliz e eu também. Depois de quarenta e cinco minutos de apresentação, eu comecei achar que era pouco e esperava que tivesse uma segunda parte (mesmo com as canções cantadas num italiano que eu entendi mal e num francês que eu entendi mais ou menos).
Depois das piscadelas da luz indicando que começa a segunda parte, volta a soprano, agora com um lindo vestido negro brilhoso, vistoso mas muito discreto, fantástico... e começa a encenar o que era um monólogo de quase cinquenta minutos em francês. Esse eu entendi bastante bem e achei lindo, de uma dificuldade técnica incrível, tudo muito impressionante... mas curiosamente aquele não foi o ponto alto da noite.
Quando eu olho para o lado, a minha tia estava em prantos, emocionadíssima, e não conseguia falar. Achei até um pouco demais para o espetáculo em si, mas como cada um tem um tipo de emoção e de reação, respeitei e esperei que ela parasse de chorar para me contar um pouco mais do que ela tinha achado... e qual não foi a minha surpresa quando ela começa a me explicar que aquele monólogo se chama "A voz humana" e que ela nunca o tinha visto sendo executado cantado e nem em francês, mas que aquele monólogo era o texto responsável pela consagração da minha avó como grande atriz de teatro amador nas décadas de cinquenta e sessenta no Brasil... e ela (minha tia) era a responsável por ficar no apoio, dando as deixas no caso da minha avó se esquecer de algo (coisa que não acontecia quase nunca), e portanto a minha tia sabia o roteiro decorado. E então eu entendi a sua emoção... e ela se tornou a minha também.


Me senti profundamente privilegiada, não só porque eu tinha feito parte daquele sonho realizado da minha tia, mas porque de um modo ultra especial, aquela noite tinha se tornado inesquecível para ambas. Era como se diante de nós estivesse no palco não Anna Caterina Antonacci, mas Violette Manon... e foi algo realmente inexplicável.
No fim das contas, o jogo do Brasil não foi grande coisa. Mas mesmo que tivesse sido o melhor jogo da história da Seleção Canarinho, não teria a menor importância se comparado ao que acontecido conosco ali, vendo o amor de Deus através de algo tão significativo e particular para nós. E eu me senti feliz, profundamente feliz, por saber que um simples ato de abrir mão de algo que eu queria (que era simples e nem era tão sensacional assim) me rendeu a oportunidade de viver algo muito maior, muito mais importante, muito mais cheio de significado e muito mais emocionante do que eu poderia imaginar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário