Há quase um ano atrás, (precisamente no dia 19 de junho) eu recebi uma das piores notícias da minha vida até então: a minha filha tinha saído no dia anterior, não voltou e ninguém tinha notícias dela. Ou seja, a minha garota, com apenas 16 anos, simplesmente havia sumido.
Bom, estando há um oceano de distância, várias coisas me passaram pela cabeça, como a preocupação de tentar imaginar aonde ela estaria, ou como estava se sentindo o seu pai (não tanto por ele mas porque dependendo de como ele estivesse, ele poderia realmente reagir muito mal quando ela voltasse e isso poderia só piorar as coisas ali), como colaborar com a busca, como não enlouquecer durante as longas horas de busca sem resposta, ou como lidar de modo prático e objetivo com o dia e o cotidiano, sem que outras pessoas sofressem com aquele momento que era meu.
Para ajudar, naquele dia, eu tinha a dona do apartamento em que eu morava me cobrando um dinheiro que eu tinha que pagar mas que não tinha recebido e não dependia de mim naquele instante, e ela ficou o dia todo ameaçando entrar na casa, chamar a polícia e fazer uma confusão para nos despejar (embora não fosse o caso porque o atraso era de apenas alguns dias e na realidade, tempos depois, descobrimos que ela nem poderia fazer aquilo, visto que ela tinha feito um aluguel que ela não podia fazer, porque o seu apartamento estava indo a leilão e nós não sabíamos).
Completando o cenário, estávamos vivendo um período de agitação no trabalho (o que até é bem normal), mas naqueles dias, com tudo o que acontecia em volta, parecia que nada do que estava ao redor importava tanto. Aliás, só importava porque eram mais pequenas coisas a considerar em um dia tão complicado, tão cheio de apreensão e dor.
Mil culpas passam pela cabeça. A culpa por ter ido embora do país, a culpa por ter permitido que ela morasse com o pai sem discutir na Justiça, a culpa por não saber aonde ela estava e a culpa por não poder ajudar. Tinha também a culpa por não saber gerenciar a situação, e a culpa por não saber se deveria contar ou não para as pessoas. Culpa, culpa e mais culpa.
Mas naquele dia eu decidi ser prática: quando eu soube da notícia eram seis horas da manhã, e parando para pensar, cheguei à conclusão de que era realmente melhor me dirigir ao trabalho do que ficar em casa sem ter mais nada para me ocupar além da minha mãe, que certamente seria algo a mais para gerenciar que naquele momento eu não daria conta (e claro, poderia acabar descontando nela o nervoso e a ansiedade, o que definitivamente ela não precisa, não merece e não daria conta também, piorando no final a situação). Trabalhei pouco naquele dia, porque de verdade, embora tenha feito algumas coisas pequenas, o meu foco estava em pesquisar onde poderia estar a minha filha, e como ela poderia ser encontrada. Naquele dia, mais do que nunca, o medo procurou imperar sobre a minha vida, e eu fiquei em luta constante contra ele.
Num dado momento do dia, não sei bem quando, eu saí da sala em que trabalho e fui para uma sala vazia ao lado. Deitei-me no chão com a luz apagada e me lembro de chorar, e pedir a Deus que a trouxesse de volta, de preferência em boa saúde. E naquele momento, me lembrei de algo que me aconteceu dias antes e que foi bastante inusitado, e que de fato eu não tinha entendido até ali: Deus já tinha me respondido a oração antes mesmo de eu ter a necessidade de fazê-la.
Explico: eu tenho o hábito de ouvir repetidas vezes uma música quando a letra faz sentido para mim e me agrada. Quantas vezes eu passei uma semana ou dez dias ouvindo sempre a mesma canção, até que em algum momento eu sei até os pontos em que o cantor respira? Pois é, dessa vez fiquei uma semana ouvindo essa música chamada "Reckless Love" que, honestamente, nem me lembrava do ritmo e menos ainda da letra, e com ela fiquei por uns quatro ou cinco dias direto... até que em um momento, notei que ao final do vídeo que estava ouvindo, tinha um pastor que vinha e dizia que Deus o tinha feito sonhar naquela noite, e que ele tinha visto que naquele momento existiam vários pais e mães cujos filhos tinham ido embora de casa, ou simplesmente sumido, e que naquele momento ele convocava a todos para orar declarando que seus filhos voltariam em paz para os seus lares. Naquele momento, porque eu sempre quis que minha filha viesse morar comigo, orei com ele, e continuei ouvindo a canção por mais uns quatro dias, sem mesmo prestar atenção ao texto ainda.
Mas naquele momento em que eu me deitei no chão, e comecei a orar, me veio à mente aquela melodia, e depois aquela oração, e ali eu soube que ela voltaria. A oração então mudou, e eu só pedia a Deus que me trouxesse ela de volta bem e me desse condição de suportar a espera, que poderia ser de horas, dias ou semanas (nunca se sabe).
Ainda demorou mais ou menos umas seis horas pelo menos para que ela voltasse para casa. Até cerca de duas horas antes do seu retorno não fizemos nenhuma publicação em rede social e nem divulgamos a informação. E enfim, chegou a hora em que entendemos que fazia sentido publicar algo e pedir ajuda. Daquele momento em diante, centenas de mensagens e ligações de todo tipo chegaram, e diversas pessoas do mundo oraram por aquele retorno (gente no Brasil, na Italia, na França, na Belgica, na África e em Portugal). Foi acho que uma das coisas mais impressionantes que eu já vivi em toda a minha vida: uma igreja se unindo em prol de clamar pela vida de alguém.
Quando recebi a notícia de que ela tinha voltado, conversei com ela e claro, ela falou bem pouco, por medo de ser julgada. Falei bastante para deixar claro que ela era amada e que estávamos preocupados com a integridade dela acima de qualquer coisa. E assim a vida seguiu.
Naquele dia, de um modo completamente novo, eu entendi a história do filho pródigo, só que de uma perspectiva completamente nova para mim: o pai, sabendo que o filho vai embora se meter em encrenca, lamenta a partida dele, mas não tem como impedir. E por todo o tempo em que o filho não está perto (ou pelo menos comunicável), imagino como pode ter sido torturante dar vazão aos pensamentos sobre como o filho poderia estar, com quem, em que condições e o que ele estaria vivendo de mau. Definitivamente, eu creio que diariamente o pai seguia até o portão, com a esperança de aliviar o seu coração com a visão do filho voltando, mesmo que ferido, mas estando dentro do seu raio de atuação, protegido, cuidado e amado. Naquele dia, não me interessava o motivo pelo qual ela foi embora enquanto ela não voltou. E quando ela voltou, me interessou só porque eu definitivamente não queria (e não quero) que ela o tenha novamente para tentar algo mais drástico. Mas em nenhum momento eu pensei na possibilidade de brigar, gritar, condenar ou fazer algo do gênero; e nem o faria se estivesse fisicamente perto. O meu coração de mãe só queria ela em segurança de novo, independente do que tivesse acontecido. O meu coração esperava só o recomeçar, o dia seguinte ao susto, o dia do recomeço e da novidade.
E assim, Deus me fez ver como Ele mesmo nos vê quando decidimos nos afastar. Muitas vezes, como o filho pródigo (e como a minha filha) a gente tem os nossos motivos (depois descobri o dela), mas mesmo sendo legítimos, eles não trarão a paz e a melhora que esperamos se Deus não estiver nisso. É questão de tempo para nos darmos conta de que foi um péssimo negócio tomar aquela decisão. Mas Deus, do Seu cantinho, nunca deixa de esperar, não para de aguardar o retorno daquele Seu filho que, por um ímpeto emocionado, decidiu se afastar. O Pai não quer nos julgar: Ele sabe porque fomos embora, e Ele não está nem aí pra isso, porque no fundo, Ele só espera o dia de nos colocar na segurança dos Seus braços mais uma vez.
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