terça-feira, 12 de junho de 2018

Uma vida que vale a pena: parte 9 - inteireza

Versatilidade, falsidade, frieza no relacionamento com o mundo ao redor,  sociopatia ou poder de adaptação? Quantas facetas uma pessoa deveria ter?
Por diversas vezes eu tive a oportunidade de ver a cena da crucificação de Jesus no filme "A paixão de Cristo" (diria dezenas inclusive) e nunca, até hoje, eu tinha assistido tudo. Conforme os castigos começavam, eu desviava o olhar ou simplesmente fechava mesmo os olhos, procurando me preservar e fingir que nada daquilo era comigo. Mas hoje tomei coragem e assisti do início ao fim... e que dor... que dolorido é ver o quanto Ele sofreu, o quanto foi humilhado, cuspido, agredido, desprezado, rebaixado e ao final, abandonado... e mesmo assim, de acordo com a Bíblia, Ele passou por tudo isso calado e em pleno controle do seu corpo, da sua mente e das suas emoções. Em um dado momento, ofereceram fel para Jesus, e há quem diga que o fel era apenas uma forma de entorpecê-lo para de algum modo diminuir o estado de consciência e em certo sentido simplificar o processo da crucificação. Mas Ele não o aceitou...
Hoje, olhando aquela cena, eu vi tantas coisas, mas uma palavra não me saia da cabeça: integridade. Mas como assim, integridade? E refletindo, foi fácil achar a resposta: Jesus estava em paz consigo mesmo, de corpo, alma e espírito naquele momento final. Foi por isso que apesar de todos os elementos contrários, Ele seguiu calado e obediente até o final, sem tentar revidar ou protestar sobre qualquer uma das coisas que foi imposta a Ele.
A Bíblia relata que momentos antes da última ceia, em que Ele mesmo conversa com Seus discípulos e explica o que vai acontecer dali em diante, Ele quis se retirar para orar, e para isso foi ao Getsemani com seus três discípulos mais chegados: Pedro, Tiago e João. Como eles eram próximos mas não podiam ser crucificados com Ele (não era a hora das vidas deles terminarem), Ele os deixou próximo mas não junto Dele, e pediu oração, e deixando-os ali, foi Ele mesmo orar.
Qual foi a oração naquele momento? "Pai, se for possível, afasta de mim esse cálice, mas que acima de tudo, seja feita a Tua vontade". O que entendo com isso? Meu, de verdade, Ele sabia qual era o seu destino; Ele tinha entendido o que viria a acontecer com Ele e com toda a sinceridade do coração, Ele NÃO gostava da ideia. Bom, racionalmente ele sabia que aquele era o motivo pelo qual Ele tinha nascido como homem e vivido até ali, e espiritualmente Ele conhecia as profecias e tinha  certeza da Sua identidade, mas emocionalmente Ele simplesmente NÃO queria nada daquilo. Porque afinal de contas, como homem que era, Ele sabia que seria completamente desagradável e horrível passar por tudo aquilo. Ele sabia que seria dolorosamente humilhante, que seria incrivelmente complicado de levar o processo até o fim (não só física mas também mentalmente falando) e definitivamente eu creio que Ele tinha apreço pela Sua vida. Não fosse assim, Ele não teria suado sangue enquanto pedia a Seu Pai pra prover um outro modo de cumprir tudo aquilo que tinha que ser cumprido. Ou seja, humanamente, Jesus estava definitivamente desalinhado por dentro: o espírito sabia o Seu propósito, a mente reconhecia o tamanho e a dureza da tarefa mas o corpo e o coração não estavam dispostos a tudo aquilo. E naquele momento, mais do que pedir ao Pai que encontrasse pra Ele uma outra opção, Jesus buscava mesmo se colocar por inteiro internamente, para que fosse possível ir até o fim, conforme a vontade do Pai. E Ele orou não uma, mas três vezes, e suando sangue, clamou. E não obteve a resposta que a Sua alma queria. Mas obteve aquilo que o Seu ser como um todo precisava: unidade.
Daquele momento em diante, Jesus seguiu e pôde receber Judas com um beijo; repreendeu Pedro por ferir o soldado; seguiu o caminho da crucificação como o Cordeiro para o sacrifício final e assim foi até o fim daquilo que lhe estava proposto.
Então, olhando Jesus, eu vi ali o quanto uma pessoa resolvida, alinhada por inteiro e decidida pode simplesmente superar limites inimagináveis...
Sim, Jesus contou com a ação do Espírito Santo de Deus em todo o processo. Mas considerando que Deus não invade ninguém e que Ele nos deu a livre escolha, por que o Seu Santo Espírito agiria em um contexto em que a pessoa não está completamente disposta a ser guiada por Ele? Se algum dos aspectos não está alinhado e Ele decide intervir, será que não seria uma invasão de uma privacidade que Ele mesmo nos deu? Ou seja, eu desconfio que se Jesus não estivesse totalmente alinhado dentro de si pra seguir adiante na crucificação, não seria possível chegar até o final...
Um exemplo de que a unidade é fundamental e que, sem ela, não se chega ao fim é a torre de Babel. Tudo bem que neste caso eram várias pessoas unidas que Deus decidiu separar criando vários idiomas. Mas por que? Simplesmente porque Deus reconhecia que unidas elas chegariam ao seu objetivo.
Eu ainda creio que a maior parte do sofrimento humano vem mesmo dessa desunião interna. Digo isso porque não que fosse fácil para Jesus sentir a dor que sentiu ou fazer o percurso que fez, mas como Ele estava inteiro Consigo mesmo e com o Seu propósito de vida, o que os outros diziam não mudava o Seu ânimo, a Sua disposição ou o Seu plano. Ele seguia em frente movido pelo que Ele tinha como objetivo, e porque vivia inteiramente aquilo que Ele era, isso chamava atenção até de quem não gostava Dele (aliás, até mais a atenção desses do que daqueles que O queriam por perto por um motivo ou outro). Isso fez com que Ele inclusive repreendesse o seu melhor amigo, Pedro, quando esse lhe disse que não permitiria que a crucificação acontecesse. E por que o fez? Ele amava Pedro e queria viver, mas mais do que isso, Ele tinha consciência do Seu propósito e alguém que tentasse fazê-lo pensar algo diferente não estava sendo Seu amigo, e Ele não podia permitir que a amizade influenciasse no Seu objetivo de vida. Ele verdadeiramente viveu uma vida que valeu a pena.
E isso me faz entender que uma pessoa resolvida, inteira por dentro, andando por completo em uma direção é praticamente imbatível, seja pra que lado for. Deus nos permite escolher: Ele sonha o melhor para nós e procura nos conquistar e nos convencer a todo instante, mas até o fim temos o direito de não querermos e nem Ele nos toma isso. Mas também, quando nos colocamos de corpo, alma e espírito nas Suas mãos, nada nos impede: nem as circunstâncias, nem o diabo e nem nós mesmos.

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