Ontem, assistindo a um ensaio, e hoje, ouvindo o meu namorado cantar, eu me dei conta de algo: nem todo mundo nasceu para o improviso. Claro, parece muito óbvio, e eu sei que nem todo mundo tem a condição de simplesmente ler rapidamente a situação no momento e criar ou tirar da cartola do repertório conhecido algo que se encaixe de modo adequado tão instantaneamente, e isso por si só já é um dificultador... mas quando a gente fala de música, e fala de mais de um fazendo (ou procurando fazer) juntos a mesma coisa, o buraco é ainda mais embaixo.
A questão é: para chegar a um resultado que não fique com aquela cara de "puxadinho" ou de "foi o que deu pra fazer de última hora, sabe como é..." ou você conhece bem a música sobre a qual vai criar novos acordes, novas maneiras de executar e variações, ou então, simplesmente, você precisa de uma leitura fenomenal sobre o seu parceiro, de modo que, não importa muito o que se passe na cabeça dele, a sua intimidade com ele te permita entender o que está acontecendo, e isso faça com que ambos possam se ajustar em milésimos de segundos, e a música não perca, e o público não perceba, e a vida siga como se tudo tivesse sido absolutamente planejado.
Aliás, planejamento ajuda demais pra maioria das pessoas. Isso porque, além do plano, que normalmente muda mesmo, tem os imprevistos que não estão considerados no plano original, e claro tudo isso já traz consigo um estresse adicional a ser gerenciado... então, como considerar ainda a falta de planejamento como parte do plano para ter sucesso?
Uma vida ajustada tem certamente espaço para o novo, para o imprevisto, para o inesperado, para o que não se conseguiu prever, mas será que é possível viver só do que não se sabe quando virá e se virá? Como lidar com expectativas sem ansiedade, sendo que não existem expectativas? Como lidar com o presente sem saber para onde ele está nos levando? Obviamente, a questão não é ter controle do contexto, mas deixar simplesmente tudo "a Deus dará", quem dá conta?
Bom, parando pra pensar na própria expressão "a Deus dará", e pensando na fé, planejar... será que faz algum sentido? Penso que quando falamos da vida com Deus não, mas quando pensamos no que é natural, no que é humano, no que é físico e concreto, um mínimo de planejamento faz sentido, principalmente quando se está no começo da música e não se sabe bem aonde se pretende chegar... como na vida: uma relação, sem objetivo, acaba sendo mesmo uma estrada sem rumo, um caminho que até pode ter volta, mas ninguém sabe ao certo se valerá minimamente a pena segui-lo.
A música tem uma partitura por um motivo, assim como as cifras: elas permitem que desavisados saibam mais ou menos por onde andar, e que tipo de resultado esperar caso sigam os passos ali definidos e indicados. Por outro lado, como tocar uma canção sem saber ao menos o esquema principal dela, o tipo de levada, aonde fica o clímax, como é que será o coro, e como ela termina? Bom, haja conhecimento musical, haja disposição de adaptação, haja gosto pelo novo e haja espírito desbravador... assim também é na vida: cumprir aquilo que diz a Bíblia, seguindo de modo que a cada dia baste o seu mal, sem que seja considerado um plano para o dia seguinte, muitas vezes é considerado como sábio, mas eu definitivamente penso que seja o modo mais ousado de viver. Afinal de contas, o fazendeiro não pode simplesmente viver o hoje sem pensar no que ele vai colher amanhã; um banqueiro (por mais que eles sejam mercenários) não pode viver sem olhar o lucro que determinado investimento trará, e um florista não consegue pensar em como cultivar flores se ele não tiver um mínimo de previsibilidade em relação ao clima, às estações do ano e ao processo do plantio e do cultivo. Assim como na música, seguir alguém em uma canção sem ao menos tê-la ouvido uma única vez pode parecer extremamente emocionante, mas é cansativo, é empenhativo, e é difícil de seguir por muito tempo. Uma música ok, mais uma dá pra encarar... mas um set inteiro de canções sem o menor planejamento? E a tão controversa zona de conforto, aonde fica, senão no espaço sideral, longe demais de ser alcançada a qualquer tempo?
Na música, pra mim, o improviso pode ser essencial para transformar o que seria igualzinho a tudo o que já se viu em algo totalmente novo, mesmo que a sua essência seja mantida e a base seja a mesma. Por outro lado, se não tem partitura, não tem como repetir, ajustar, organizar (ou manter uma organização, já que não se sabia mesmo o que esperar desde o início). Mas e na vida, qual é o meio termo? O homem prudente faz planos, e a Bíblia diz que o homem sábio, antes de começar a construir, faz cálculos, para saber se será possível chegar ao fim do projeto (o que indica claramente que é preciso ter um projeto). Mas a mesma Bíblia conta que nem Salomão, em toda a glória do seu reino, se vestiu melhor do que os lírios do campo, que nem consciência de que são seres viventes tem, e que obviamente não planejam nada, e só se ajustam ao sol, à fonte de água e de nutrientes mais próxima, e nos indica a viver assim...
Confuso, não? Pra mim ainda difícil de definir, especialmente se eu considerar que o mundo é cheio de coisas incontroláveis... mas quem sabe, assim como em uma bela canção, eu possa tentar escrever para a minha vida uma partitura que, no final, me servirá de guia apenas para que o caminho seja seguido e, ao final, seja possível dizer que a canção, assim como a vida, valeu a pena de ser experimentada e sentida!
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