terça-feira, 25 de junho de 2019

Escravos de Jó e a zona de conforto

O ser humano tem, a meu ver, a tendência de procurar o conforto e o descanso, tanto mental quanto físico, emocional e espiritual. E pra ser bem sincera, faz total sentido, já que a nossa natureza é falha, limitada e frágil. Sem o descanso e o conforto, como renovar as forças e as energias para enfrentar a próxima etapa?
Fisicamente, o corpo foi programado como uma bateria recarregável, e cada momento de descanso nos traz renovo, nos ajuda a eliminar aquilo que veio em excesso e que não nos serve, e nos ajuda a processar o que foi absorvido em um dia de vida. Ou seja, sem um bom descanso, a mente não consegue se recuperar do dia anterior, e portanto não estará em plena forma para o próximo dia; e o corpo não terá tido tempo hábil para transformar o alimento em energia para que os seus órgãos possam continuar trabalhando por mais vinte e quatro horas. Então, posso concluir que o descanso é absolutamente vital para o ser humano.
Descansar porém só é possível quando nos encontramos em uma situação de conforto. Dificilmente alguém conseguiria repousar de verdade em uma situação incômoda. Eu fico imaginando por exemplo aqueles homens que se tornam soldados e ficam meses em frentes de guerra, em alerta constante, numa situação em que o repouso total nunca é permitido... deve ser uma tortura física e mental prolongada, e acredito ser por isso que tantos soldados voltam da guerra mas não conseguem se recuperar por completo (ou pelo menos demoram tanto tempo para que isso aconteça).
Mas não é só em ambiente de guerra literal que a gente não encontra descanso: quando vivemos em um ambiente em que a hostilidade, a competição e a pressão reinam, é complicadíssimo "baixar a guarda", relaxar e se permitir descansar. É como se durante todo o tempo você estivesse suscetível à um ataque inimigo. Isso faz com que você evite estar naquela situação o máximo possível. E se não for possível não estar ali fisicamente, mentalmente você procura fugas para evitar encarar a situação e procurar então o tal do descanso que você tanto precisa.
Eu posso falar sobre isso porque já vivi assim dentro da minha própria casa por anos: em um ambiente de discórdia, basta colocar os pés em casa para que qualquer coisa que aconteça vire um motivo para um ataque repentino, uma discussão calorosa e um desgaste não só desnecessário mas também muito pouco oportuno, já que em teoria a nossa casa é (ou deveria ser) o nosso porto seguro.
Então, fazer do lar um local onde as pessoas possam sim viver em tranquilidade é essencial. Saber que ao chegar em casa teremos o conforto necessário da aceitação e do incentivo para o que quer que seja é fundamental para que nos sintamos seguros e cômodos, seja para produzir algo novo, para continuar construindo e nutrindo relações, seja somente para descansar. E isso é algo que depende de cada uma das pessoas que mora e usa aquele espaço, e parece mas não é algo tão simples, até porque o que é confortável para você pode ser extremamente desgastante ou desconfortável para mim. Tudo é uma questão de ponto de vista.
Eu creio então que a zona de conforto é sim um lugar na vida que precisa existir para cada um, e esse não é de modo algum um local físico, mas emocional e espiritual. Eu mesma, tendo mudado tantas vezes de casa nos últimos anos (mais de dez), tenho a certeza de que a zona de conforto não é encontrada em qualquer lugar, até porque eu morei em lugares em que, por meses, eu tive a sensação de nunca ter "voltado para casa". Hoje eu sei que descanso está atrelado à relação que fazemos entre o físico, o mental e o espiritual em cada contexto e situação. Por isso podemos ver irmãos que amam estar em uma casa, ao passo que outros irmãos da mesma família abominam veementemente estar ali.
O problema da zona de conforto não é a existência dela em si. Sem esse espaço, não sobreviveríamos. O ponto é que, assim como quase tudo na vida, ela precisa ser um posto não de permanência, mas de visitas constantes. Viver sem conforto nenhum pode esgotar o ser humano; viver no total conforto apodrece a pessoa.
Eu posso falar isso com total convicção: todos os momentos nos quais eu me encontrei em uma situação de total conforto, eu estagnei e a minha vida parou. Em todos os momentos nos quais eu não encontrava a minha zona de conforto em nenhum momento, eu quase surtei. O que me mantém de pé é o meio termo, a moderação e o equilíbrio entre as duas coisas. Talvez por isso que, em cada espectro da nossa vida, vivemos as coisas em tempos cronológicos diferentes: provavelmente não conseguiríamos lidar com começar tudo ao mesmo tempo sem nenhuma zona confortável. Provavelmente por isso mudar de país é tão estressante: porque, de um modo intensificado, é como se você se propusesse a recomeçar quase toda a sua vida ao mesmo tempo, trazendo uma sensação de instabilidade, insegurança e um gasto de energia brutal para construir muitas coisas no mesmo período.
Conversando com uma amiga nestes dias, eu vejo o quanto esse meio termo é super importante: ela me contava que, mesmo tendo assumido uma relação estável com o seu marido há dois anos e meio e tendo se casado com ele há alguns meses atrás ela ainda não se sente casada por completo. Isso porque desde que a relação foi assumida, eles continuam morando na casa da mãe dele, e isso, para ele é confortável financeiramente, e por causa disso (e porque ela não tem uma renda que realmente possa contribuir o suficiente para manter o padrão de vida que eles levam) ele se recusa a sair daquele lugar, onde não existe a preocupação de pagar uma série de contas, e nem de fazer listas de mercado ou de se preocupar com limpar o chão por exemplo. E de repente, o que parece ser uma benção para muitos, para ela é um enorme incômodo, porque afinal de contas, sem esses pequenos "desconfortos" não se cria nada seu, e é bem mais difícil crescer, e no final das contas, a desconexão com a situação vai ficando cada vez mais complicada. Pior: ela não será eterna (porque aquela mãe vai morrer em algum momento, e aquela casa vai apresentar custos para eles em alguma hora) e quando ela não estiver mais ali, então além do preço que não se acostumou a pagar antes, ainda será necessário lidar com a dor da perda, tudo junto e misturado, assim, à vista mesmo. Muito mais difícil de lidar no futuro para ele, muito mais difícil de se sujeitar para ela, e no final, para o casal, uma grande perda em termos de construção em conjunto. Mas... é a escolha dele, e ela acaba concordando, e a vida segue. De que jeito? Não sei bem, mas segue o seu rumo, e ela procura encontrar e se abraçar às coisas boas dessa fase, de modo que a próxima venha e a encontre com mais sabedoria e disposição (até porque, se ela não encontrar o descanso nessa adversidade, ela não sobreviverá até que chegue a fase verdadeiramente confortável para ela, que é a da construção, do crescimento e de vencer os desafios).
Para mim, o conforto hoje está ligado à certeza do amor de Deus sobre mim, mas humanamente falando, se expressa, por exemplo, no abraço que recebo ao final do dia, no olhar para o lado e ver que não estou só, ou na mensagem de carinho que recebo dos meus pais e de alguns amigos. E talvez, somente talvez, por ter tido a necessidade de lutar por tanto tempo pela minha sobrevivência financeira, o não estar nessa situação me traz desconforto, e até me desorienta, simplesmente porque talvez eu tenha me acostumado a construir as coisas nesse sentido da minha vida apenas como reação ao "facão" que estava nas minhas costas constantemente, e não com base em sonhos, projetos e uma visão de futuro. E talvez isso esteja me bloqueando: eu simplesmente não sei como fazer isso, porque nunca tive a oportunidade de fazer, e agora, podendo fazer isso, não tenho ideia de por onde começar.
Para encontrar então a minha zona de conforto novamente (e com isso poder me mover), vejo duas opções: ou eu me coloco o "facão" nas costas outra vez, ou eu mudo a minha mentalidade, e me permito, pela primeira vez na vida, construir algo consistente e mais duradouro, com o qual eu tenho a chance de deixar um legado para aqueles que vierem após mim. E isso é uma escolha. Mas... para tomar essa decisão, eu preciso sair da minha zona de conforto e encarar que, qualquer uma das duas opções terá um preço a pagar, e um ganho obtido no final... e lá vamos nós mais uma vez jogar esse jogo do "tira, põe... deixa ficar!" até o próximo movimento a ser dado.

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