quinta-feira, 27 de junho de 2019

Para ter o que nunca tive, faço o que nunca fiz

Ontem eu tive a oportunidade de convencer as pessoas aqui em casa de que eu poderia e deveria ir ao mercado comprar duas coisas em emergência: ração para o pobre do cachorrinho que ficaria sem comida e filtro para café. Deixando de lado a saga do convencimento para que eu ganhasse a responsabilidade sobre a tal tarefa, fiquei contente de poder ir ao mercado resolver uma coisa que, ao mesmo tempo seria pequena mas por outro lado ajudaria bastante. Como parte da adaptação na nova moradia, é importante saber se virar em coisas simples como por exemplo ir ao mercado.
Eu já sabia aonde fica o mercado (na verdade, sei aonde ficam os três mais próximos, e sei mais ou menos o que se compra em cada um deles) então o trajeto não seria um desafio sem Internet (sim, eu continuava sem conexão no meu celular) e então decidi me organizar para ir lá cumprir essa tarefinha mais do que básica. Troquei de roupa, peguei as minhas coisas e antes de sair pensei em fazer uma foto da embalagem de filtro de café vazia, com a sensação de que isso poderia ser útil de algum modo, mas claro, em segundos achei a ideia desnecessária e fui sem foto nenhuma mesmo.
A caminhada para o mercado é agradável e um pouco longa. Esse em específico fica há uns mil e duzentos metros de casa, então é tranquilo mas não é realmente perto daqui. Mas como eu gosto de andar e tinha a intenção mesmo de fazer essa caminhada, lá fui eu até o dito cujo.
Chegando lá, encontrei a ração do cachorro (na verdade eu já sabia qual era, e tinha uma ideia de onde ficava, então foi bem fácil) e fui à caça do filtro de café. E aí enfrentei o obstáculo número 1: sem Internet não tinha Google tradutor, e sem ele não dava para ter certeza de como se chama esse artigo em francês (porque eu obviamente não estava convencida de que era filtre de caffè). Procurei, procurei e nada de achar o dito cujo. Então me rendi e perguntei do jeito que eu achava que era para um funcionário, que me indicou a localização. Já fiquei feliz porque, certo ou errado, ele tinha entendido, e seria possível comprar o tal filtro.
O lance é que eu jamais na minha vida precisei comprar filtro de café. Isso porque no Brasil em casa se consumia Nescafé, e na Itália eu tomava café fora de casa (ai que saudade do cappuccino de verdade à um preço decente!) então nunca pensei em como seria... Mas chegando ali, descobri que na caixa do filtro tem uns números escritos, que entendi serem um indicativo do tamanho da peça plástica que suporta o filtro na hora de passar o café. Naquele momento, me lembrei da foto que eu quis fazer e por achar inútil não fiz... Ela teria a resposta de qual era o filtro que eu deveria comprar (o número 2 ou o número 4). Sem muita certeza do que significava aquele número e sem ter a menor ideia de qual deveria levar, eu fui falar com uma funcionária do mercado (sim, em francês e sem tradutor) pra perguntar o que era aquele número, porque talvez aquilo me ajudaria a decifrar esse mistério. A boa notícia é que consegui perguntar e ela entendeu, e eu consegui entender a resposta, e baseada no que ela disse, escolhi comprar o número 2 (achei que era o correto considerando o tamanho da boca da peça plástica que ela me indicou com as mãos).
Toda contente, volto os mil e duzentos metros feliz e realizada, me sentindo uma vencedora porque afinal de contas, tinha sido bem sucedida naquela primeira vez. Mas, ao chegar em casa, minha alegria durou pouco: a caixa descartada e vazia era do filtro número 4...
Olhei para fora, vi o calor que está fazendo nestes dias e considerei a possibilidade de deixar de lado o assunto e deixar todo mundo sem café no dia seguinte. E pensei que não era justo até porque eu pedi pra fazer essa tarefa. Então me enchi de coragem, peguei a embalagem e o recibo e voltei no mercado (sem tradutor e sem Internet pra ajudar) para tentar trocar o artigo pelo correto.
No meio do caminho fui ensaiando o discurso, e a cara vez que eu tentava eu me ouvia e mudava o que não parecia soar tão bem assim, procurando garantir que a pessoa la entendesse o que eu precisava e me ajudasse. Então me lembrei de um programa de televisão de perguntas e respostas que eu tinha assistido horas antes, e nele o apresentador usava um termo específico para declarar que o participante tinha dado a resposta errada. Foi a minha salvação! Usei o mesmo conceito na minha frase ensaiada e pareceu soar bem.
Quando cheguei no mercado, juntei as forças e repeti a frase montada no meio do caminho e a pessoa me entendeu, e me orientou, e eu consegui então trocar pelo filtro que serviria em casa. Voltei me sentindo ainda mais vencedora do que da primeira vez (bem mais suada, e bem mais cansada, mas o preço pago valeu a pena).
Nesse processo, aprendi várias coisas, e a primeira delas é que se abrir para tentar novas tarefas, por mais simples que sejam, trará inevitavelmente uma ou mais oportunidades de usar coisas que você aprendeu e que achou que nunca usaria (por isso entendi também que aprendizado nunca é em vão). Entendi também que só acaba quando a gente conclui ou desiste. E eu poderia ter desistido, mas decidi parar só quando estava com a tarefa concluída.
A outra coisa que não foi bem um aprendizado, mas uma recapitulação, é que na verdade, preparação sempre pode ser interessante. Quer dizer, se eu tivesse feito a foto da caixa vazia antes de sair, teria me poupado de andar quase dois quilômetros e meio e suar horrores.
E por fim, aprendi que nem sempre o imprevisto é ruim. Isso porque se eu tivesse feito a foto como eu pensei inicialmente, eu jamais teria tido a oportunidade de aprender ainda mais naquele momento, e talvez demorasse meses para ter que passar por algo do tipo por aqui (ou teria enfrentado já com Internet na mão, e com isso não faria sem o apoio do tradutor).
Em resumo, a ousadia sempre premia. Nem sempre o prêmio é aquilo que foi planejado, mas certamente continuar fazendo o que sempre foi feito não me leva além da fronteira que já me circunda, e isso é bem complicado quando a gente fala de melhorar a própria vida e a dos demais.
Então, estou encarando os desafios como oportunidades de crescer e pensar fora do padrão estabelecido até aqui. E é essa abertura interior que certamente vai me conduzir a lugares que eu desejo chegar mas cujo caminho eu ainda não sei. E talvez eu até descubra que não tem um caminho só, por exemplo, para chegar à uma vida profissional bem sucedida (ou talvez só confirme aquilo que eu já achava, quem sabe?). O grande lance é que nunca se sabe os desdobramentos da coisa, mas se permitir viver o novo pode ser altamente recompensador em todo o tempo.

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