quinta-feira, 18 de junho de 2020

O dia em que "virei mãe" de novo

Há um ano eu vivo com o meu companheiro, e assim como eu desejei, ele é um homem divorciado como eu e tem duas filhas. Eu pensava que seria importante que fosse assim porque desta forma teria ao meu lado um homem que entende o que eu passava como divorciada e mãe de menina. E eu tinha razão.
Quando começamos a conversar mais diretamente sobre o interesse de um pelo outro, eu me lembro de ter tido uma conversa que na época parecia um tremendo exagero mas que hoje vejo que foi fundamental para que os dias de hoje sejam tão preciosos: o casal de líderes da célula que eu fazia parte não gostava muito da ideia do relacionamento e decidiu me questionar algumas coisas para que eu estivesse consciente e fizesse boas escolhas. Uma das perguntas foi sobre como eu encarava o fato dele ser pai.
Eu respondi o que achava e a pergunta seguinte foi estranha, e ao mesmo tempo que soou um absurdo, foi um soco no estômago: "se em algum momento a mãe delas faltar, você está disposta a cobrir esse papel?" e eu fiquei olhando... Pensando o quão improvável soava aquela pergunta, mas refleti, pensei... E respondi que sim, já que efetivamente era quase impossível isso acontecer.
Conforme o relacionamento foi acontecendo, eu fui conhecendo o coração dele de pai, e fui refletindo sobre como eu tomaria certas decisões em relação a cada uma das duas. Até que um dia eu decidi que queria ter um relacionamento com elas por elas e por mim, independente de como fossem as coisas com ele. Eu queria estabelecer uma ligação em que elas vissem em mim uma possibilidade de apoio e contato por mim, e não pelo meu papel. 
O tempo foi passando, passou-se o primeiro encontro com elas, e aos poucos (até que bem rapidamente) surgiram momentos de interação intensa, já que as férias chegaram rápido e nesse periodo, metade do tempo é com o pai, metade com a mãe. Bom, dali em diante metade com o pai e comigo. Mas ainda não era nem perto do que seria a situação hipotética da fatídica pergunta.
Os meses se passaram, e veio a decisão de nos mudarmos de país por vários motivos, e o principal motivador daquela mudança naquele tempo foi a mudança delas para Portugal. E assim fomos: nos despedimos de Paris, e desfizemos nossas vidas francesas, e viemos para terras lusitanas.
Aqui tudo mudou: na chegada em um país onde linguisticamente tudo se inverteu, agora são elas quem me perguntam o significado das palavras... E claro, por conhecer quase ninguém, os laços familiares estreitaram.
E quando nada mais parecia poder deixar tudo tão intenso, veio o covid-19 e a quarentena, e as crianças agora vivem uma semana com a mãe e uma conosco regularmente (este é o quarto mês assim) e as atividades regulares como as escolares passaram a ser abordadas também aqui. Ou seja, vivemos hoje em um esquema tipo guarda compartilhada, e como todo cenário de crise, a gente faz tudo o que pode pra fazer o melhor possível pra quem mais precisa no momento. 
Ontem, depois de algumas semanas desejando um belo e relaxante banho de banheira, eu acabei o meu turno de oito horas de trabalho depois de cinco dias seguidos na luta (incluindo final de semana), dei banho nas crianças enquanto o pai fazia a comida para elas e a mais velha começou a se sentir mal. Dores de cabeça, choro e pouca habilidade para lidar com o incômodo que não é habitual, e portanto, ainda mais difícil de lidar para ela.
Adia um pouco o banho pra que tudo fique bem até que o jantar esteja servido, e assim que ficou pronto, escapei para o banheiro com o livro que chegou e estava doida pra continuar a leitura, e lá estava, feliz e contente, de banheira quase cheia, até que surge a mais nova, precisando fazer cocô. 
Na hora concordamos que ela fazia a parte dela e eu ia seguir os meus planos e assim seguimos: ela, uma menina de seis anos, sentada fazendo as necessidades dela e batendo papo comigo, deitada na banheira e dando lugar às conversas sobre os sonhos infantis que talvez nunca se realizem (quem sabe?) mas que naquele momento eram mais urgentes.
Quando ela acabou, eu lavei ela ali e continuei o meu banho, tranquila, serena e rindo... Simplesmente porque aquela pergunta sobre a situação que parecia tão bizarra ressoou na minha mente, e me fez ver como foi fundamental. A escolha daquele momento me fez curtir a situação de ontem.
E sim, elas tem mãe, está viva e nunca será substituída, e nem pode. Mas elas tem também por aqui uma "mãedrasta" com quem podem contar, e isso é verdadeiro milagre para mim. Ou seja, "virei mãe" de novo! 

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